MARIA BONITA

De longe ele já sentia o medo, o frio na barriga, ela se aproximava, parecia uma cigana com aqueles brincos dourados, rosto todo pintado, exageradamente pintado, boca grande e lábios escarlate.

Lá vinha Maria Bonita, Maria Sete-Saias ou simplesmente a Maria Louca, arrastava aqueles vestidos longos, com saiotes, um debaixo do outro, com cores berrantes, acentuando mais o vermelho. Sua figura ao longe ia aos poucos crescendo diante daqueles olhos de menino assustado. Algumas vezes que passou próximo a ela, foi sempre acompanhado de sua mãe, na calçada, quando voltava da escola. Sentia um arrepio percorrer-lhe a espinha e jamais esqueceria o aroma daquele perfume barato que exalava ante a sua passagem. Ficava paralisado de terror, como se de algum modo ela pudesse arrastá-lo e levá-lo para longe.

Ele nem bem sabia do que tinha medo, se era o tamanho dela com suas roupas espalhafatosas, seu rosto vermelho coberto de ruge ou se era do que falavam dela. Dizia a criançada da rua que ela era uma cigana louca e que atraia as crianças com doces até sua casa para depois cozinhá-las num caldeirão e fazer sabão.

Muitas e muitas vezes observava da janela do seu quarto ela passar do outro lado da calçada, por detrás da igreja e seguia-a com os olhos até desaparecer ao longe. Imaginava onde ela morava, uns diziam, que era próximo ao mercado, num quartinho de um cômodo, outros achavam que ela tinha dinheiro escondido e disfarçava-se para não mostrar o que tinha.

Vários garotos da sua idade mexiam e zombavam dela na rua, provocavam-na para vê-la furiosa. Ele porém, não tinha coragem, respeitava sua loucura, ou melhor, ficava amedrontado do que poderia acontecer-lhe. Poderia virar sabão!

Houve ocasiões em que puxava a mão de sua mãe para mudar de calçada assim que avistava, mesmo que ao longe, a figura pitoresca de Maria Sete-Saias.

O tempo passou, mudou-se de lá, cresceu e virou gente grande; quando retornou algumas vezes não pode deixar de pensar nela. Nunca mais a viu, onde estaria vivendo agora? Será que ainda vivia? Estaria perdida andando pelo mundo afora ou ingerindo remédios dentro de um sanatório? Nunca iria saber, pois nem os amigos da rua encontrou mais.

Só restava a memória, o cheiro do perfume, virar sabão, o riso dos meninos...infância, Maria Bonita que não volta mais!

costa filho
Enviado por costa filho em 02/12/2005
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