O prisioneiro das letras

Se vocês pensam que já viram de tudo nessa vida, lamento ser o estraga prazeres, mas a história que vou lhes contar, não é qualquer história, é algo tão surreal que só poderia acontecer mesmo em um país que se tornou sinônimo de celebração da surrealidade. Era uma vez na América, mais precisamente, a terra descoberta por Cabral, um espírito errante, em função dos seus erros mundanos, foi condenado a passar o resto de seus dias inglórios atrás das grades.

E daí! Isso acontece tanto aqui, quanto na China. Bem, vamos voltar a nossa história. O nosso protagonista não era "flor que se cheire" e em função da sua atitude beligerante acabou sendo castigado com o cárcere maldito: a solitária. Para quem não sabe, solitária é uma cela onde o detento fica incomunicável durante um determinado período de tempo, ou seja, perde o direito de conviver com os outros demais detentos.

Para manter a pouca lucidez que lhe restava e não entrar de vez no mundo caótico da loucura, usou a tubulação da latrina, como se fosse um telefone sem fio, para se comunicar com um colega, que se encontrava na outra ala, em uma cela convencional. Criminalidade e genialidade, às vezes, se confundem! Do outro lado da linha, encontrava-se um detento, um amante incondicional de uma boa leitura, que passava horas e horas apreciando grandes clássicos literários da biblioteca da penitenciária.

Pois bem, o nosso protagonista e o seu "colega literário" começaram a se comunicar. Assim toda noite, durante um período de seis meses, ele foi apresentado aos clássicos da literatura narrados pelo seu "colega literário". Ele ficou tão impactado com o mundo fantástico da literatura que, após ter concluído o seu castigo na cela forte, a leitura passou a ser sua única companheira permanente.

De repente ele estava literalmente comendo todos os livros. Sua vida na cela se resumia a ler fanaticamente, o espírito da leitura havia dominado o seu coração. Pois bem, com a chegada dos direitos humanos ao sistema prisional, conquistou o direito de recuperar o tempo perdido e resolveu concluir os estudos.

Sendo assim, estava habilitado a prestar o vestibular, pois tinha o pré- requisito necessário. Não deu outra: novamente comprou mais essa guerra, e se matriculou no vestibular do curso de Direito da PUC. Para encurtar um pouco essa história, ele não só foi aprovado, mas figurou nas primeiras posições de um dos vestibulares mais concorridos do país. Foi o primeiro detento universitário do país do carnaval. Uma proeza digna dos filmes da série missão impossível.

Com a abertura política e os direitos humanos batento à porta do sistema prisional, ganhou o direito de cursar Direito na PUC e pernoitar atrás das grades. Até que de repente, como todo "bom bandido", cansou-se dos dias mornos e rotineiros dos "pobres cidadãos de bem" e voltou para a sua natureza indomável, desistiu da universidade e não retornou mais a cadeia.

Em uma investida policial em um assalto a banco, eis que surge novamente o nosso protagonista, mas como todas as vezes anteriores, levou a pior, foi preso, e retornou para o seu inferno entre quatro paredes. Parece que a história dele havia definitivamente chegado ao fim. Reconhecendo a grande estupidez que fizera, caiu em profunda depressão.

Mas o amor pela literatura era maior do que qualquer coisa, e começou novamente a devorar tudo que pudesse ser lido. Virou uma liderança positiva dentro do sistema carcerário. Atuando como professor de português, alfabetizou centenas de milhares de detentos e multiplicou os sonhos de liberdade em corações desamparados.

De repente, por incrível que pareça, estava respirando o doce ar da liberdade novamente. Foram 32 anos de privação de liberdade. Fora da cadeia, virou escritor respeitado pelo meio literário. Esta é a história de Luiz Alberto Mendes, um homem com um corpo marcado pelas amargas cicatrizes deixadas pela sua vida de crime, mas com o espírito renovado e liberto pela força avassaladora das letras impressas nos livros eternos.