Isso não é viver

Eu me sinto preso numa armadilha.

Aquele lugar, aquela rotina, tornaram-se opressivos. O dia ali transcorre e eu vou encolhendo, me recolhendo em mim mesmo, ficando tenso, amarfanhado. É como se eu fosse carne fresca para os leões e eles vão me dilacerando pedaço a pedaço. Ao fim do expediente, eu esboço um fraco sorriso para os colegas (carnes frescas) e me despeço: “Até amanhã”. Vou pra casa torcendo para que o amanhã demore a chegar.

Às vezes, penso que há um grande arquiteto por trás de tudo. Ele é maquiavélico, mas também um genuíno curioso. Ele anseia por saber quanto aborrecimento e frustração uma pessoa equilibrada consegue tolerar até atingir um ponto de ruptura. Até a saúde estar arruinada. Depois, ele simplesmente troca o indivíduo com defeito por outro “zero bala” e o estudo recomeça. Somos simples pecinhas dentro da grande estrutura. A máquina e o lucro não podem parar, só porque já não estamos funcionando como antes.

“Não funcionar como antes” me afastou dos amigos. Por vergonha, por medo de parecer um lamento ambulante. Por orgulho de não querer inspirar pena. Eu vivo no momento apenas para servir à grande estrutura. É meu ganha pão. A rotina é matar no peito a hostilidade que as pessoas sentem pela grande estrutura e me convencer de que não sou eu quem elas detestam. Não. Quando elas xingam, berram, se descontrolam e ameaçam chamar um oficial de justiça para a situação ser resolvida numa delegacia, não sou eu o alvo do destempero, muito embora os olhos estejam voltados para mim. Na teoria, eu devo pegar todo esse acúmulo de negatividade que faz minhas entranhas se revirarem e jogar no lixo, assim que ganho as ruas ao fim do expediente. Quem dera meu corpo tivesse entendido bem essa teoria. Teria me economizado um bom dinheiro em remédios...

Aquilo me sustenta financeiramente, mas eu me sinto um impostor. Deveria ter gratidão, mas o que me vem é ressentimento. Em um passado cada vez mais distante, eu "trabalhava" sozinho a manhã inteira, em profunda paz e concentração. Eram os tempos de bolsista da faculdade. Hoje, isso me parece um luxo distante. Aderi à grande estrutura impessoal e implacável por necessidade prática da vida adulta e, enquanto ela me deu conforto, me roubou a autoconfiança, a identidade e a saúde. Isso não é viver. Isso não é viver...

Alex Nunes
Enviado por Alex Nunes em 30/01/2024
Código do texto: T7988581
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