NO FUNDO DO COPO

Desde antes que o Lupicínio Rodrigues inventasse a dor de cotovelo, os compositores brasileiros já falavam do repositório da citada articulação. A mesa de bar. E eu ainda não tinha feito nenhuma música pra ela.

Também ainda não tinha composto um tango. Era um dos ritmos que me faltavam depois de tantos boleros, sambas, marchas rancho, sambas-canção, chorinhos, valsas e até baiões, não podia deixar de fazer pelo menos um tango. Saiu assim:

NO FUNDO DO COPO

(Almir Morisson)

Ontem me viste sozinho

Sentado tristonho

Naquela mesa de bar

Bebia tristeza

Fumava saudade

Tratava a ferida

Do meu coração

Se ao menos pudesse

No fundo do copo

Saber o motivo

Porque me deixaste

Sem rumo e sem chão

Por mais que tentasse

Só via teus olhos

No fundo chamando

Sorrindo e zombando

Da minha paixão

Tentava cobri-los com uma dose

Tudo em vão, pois espreitavam

Lá no fundo sem perdão

Via que de novo me olhavam

Penetrando no meu peito

Sentindo minha aflição

E assim eu fui ficando

Mais uma noite findando

Sem poder encontrar paz

No coração

Teus olhos me fitando

Vendo meus olhos chorando

Mais um copo me mostrando

A solidão

1996

Essa já era uma segunda versão porque a primeira letra, quase igual, não encaixava na música. Mudei a ordem de algumas palavras, usei alguns sinônimos e ficou bom.

Apresentei em um show no teatro Margarida Schivazappa e contratei numa escola de dança de salão um casal para dançar a peça. Ficou lindo. Minha mãe, ainda viva na época, até lacrimejou durante a apresentação.

Daquela época tinha, e ainda tenho, apenas a gravação só ao piano que o maestro Tynnoko fez para o casal de dançarinos ensaiar. No dia do show houve alguma falha nos aparelhos de gravação que não consegui nem o áudio, nem o vídeo. Fiquei frustrado. Precisava ter mais algum registro.

Felizmente, muito tempo depois, em 2015, consegui gravar um CD com minhas músicas, com arranjo também feito pelo Tynnoko, e uma das que escolhi foi o tango.

Agora sim tenho uma gravação feita pelo maestro, com minha voz e com todos os instrumentos necessários para mostrar a dor de cotovelo com a mesa de bar, o cigarro, o copo de bebida, a tristeza, a saudade e tudo o que tinha direito.

Eu e o fundo do copo estamos satisfeitos.