Apenas uma noite

As noites de São Paulo têm um quê hipnótico, as luzes dos comércios abrem uma contemplação centrífuga para gente como eu. É sábado, os bares, com o som alto, atropelam uns aos outros. Têm crianças com suas famílias, o que imediatamente me traz reminiscências dos passeios com meus pais. Como desde a pequenez da idade já demonstrava o amor por grandes banquetes, essa era a única etapa feliz do passeio. Aglomeração nunca foi o meu forte. Havia na infância, ironicamente, uma extroversão que jamais tive igual, estranho pensar a timidez como propedêutica dos problemas futuros que ela me gerou. Olho as crianças e penso quantos problemas a vida proporcionará. Será o destino de muitas combater a fobia de pessoas? E se elas se perderem em suas caminhadas? Perguntas em vão que já não devo me importar.

Eu ando trajado com roupas inteiramente escuras, com as mãos escondidas nos bolsos, e os olhos em todos os detalhes. Minha roupagem é destoante do brilho das ruas, todos sorriem com cores vívidas, os ambientes são quentes e carecem de paz. Meu lugar talvez não seja aqui, mas é importante caminhar, os terapeutas dizem isso. Nas calçadas permeadas por gente, vejo os jovens passeando, olhando-me enquanto reflito rente a eles. Andar entre bandos era bom na minha época. Mal sabem estes jovens que o tempo é veloz, que jazerá muito companheirismo que o presente os afaga. Seja por intrigas banais, interpeladas por coisa de jovem, por mudanças de região, por novos ciclos de amizade, por isso ou por aquilo.

O que falar dos encontros amorosos? Esse tipo de evento desperta-me curiosidade, porque carrega a sutileza a quem percebe. Vejo muitos casais em todo canto. Há aqueles onde a cama é o lugar mais próspero, mas nem sempre o outro se satisfaz nela. Assim como aqueles que despretensiosamente saem a contemplar pessoas, mas no fim, brindam com elas uma lata de cerveja aguada com pitadas de amor eterno.

Inspiro o ar e vou com as pernas a lugar algum, andando por bairros desconhecidos, cumprimentando pessoas desconhecidas. Nada mais me surpreende, são só pessoas como quaisquer outras, igual a mim. Volto a minha casa, e com amor às paisagens, tomo a lua minguante como amiga dos pensamentos. Gosto de olhar histórias conjugadas por vários enredos, cada pessoa tem uma, mas eu, eu sou a história do fantasma da monotonia urbana.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 31/01/2024
Reeditado em 10/03/2024
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