Nunca será 2024

Saturnina, certa vez, sonhou que viajou para o futuro. O ano era 2024, e ela, acostumada ao ritmo de vida do século XVI, obviamente estranhou as pessoas daquela nova realidade.

De repente, ela encontrou-se em São Paulo, a cidade em que os ponteiros do relógio já acordam enlouquecidos. Estava no meio de uma das avenidas mais movimentadas, com seu traje singelo de camponesa, totalmente deslocada daquele cenário.

De início, envergonhou-se do modo como estava vestida, comparado aos trajes diversos das pessoas que se trombavam sem se olhar: tênis e bermudas contrastavam com ternos e vestidos curtos. Ela por um momento desconfiou estar invisível, uma vez que ali ninguém a notava, mesmo ela sendo tão diferente. Chegou a falar:

– Oi, gente, cês tão me vendo, tô bem aqui! – mas não obteve nem sequer um olhar sorrateiro como resposta. Então resolveu caminhar um pouco e tentar “assuntar”:

– O que tanto essas pessoa fala nesses “bichim” preso ao ouvido?

Ouviu quando alguém falou:

– Vou embora, bora comigo?

Saturnina matutou, matutou e chegou à conclusão de que “vamos embora” seria um modo mais rápido e fácil de falar “Vamos em boa hora”, era assim que estava acostumada a ouvir de onde vinha, ou melhor, de quando vinha. Falou para si mesmo que ou essas pessoas eram muito apressadas, ou eram “priguiçosas mermo”.

– Onde já se viu, economizar até nas frase!

A camponesa não gostou muito do que viu, o mundo parecia maior, mas ao mesmo tempo muito desunido. Bateu uma vontade de voltar para seu lugar, para seu tempo. Lá é que é bom: a cantiga dos galos acorda o sol, o cheiro do café seduz o nariz, e o tempo é mesmo uma tartaruga manca.

O pouco tempo que passou naquele mundo novo a fez temer e, ao mesmo tempo, agradecer por não pertencer àquela realidade. Viu outdoors enormes que convidavam à compra de felicidade, e ainda era a prazo. Ela entendeu quase nada do que viu. E quando foi dar um grande suspiro, talvez de decepção, encheu os pulmões de fumaça escura, a qual era quase sólida, quase paupável, de tão presente no ambiente.

Sentiu então um grande choque e foi despertada em sua casa simples.

Logo, benzeu-se e correu para a cozinha. Viu que a chaleira a sorria. O simples sorriso que convida à pureza do aroma da manhã.

Ela também sorriu como quem guardava um segredo, ou um mistério: “– Ainda bem que não era 2024!” – E nunca seria, não para ela.

Leandro Sousa (instagram: @leandrosousa.prof)