Contos de Chico

Quando eu ensinava no fundamental, fiquei sabendo, por um texto no livro didático, que Chico Anísio escrevia contos. O texto – se a memória não me abandona – se chamava ‘Palavras cruzadas’, e é a história de dois solitários, já idosos, que se conhecem na noite de Natal. Termina assim: ‘Só disseram seus nomes quando ele trouxe um prato com castanhas para a ceia no jardim’. Simples, não?

O referido conto faz parte do livro ‘A curva do calombo’, que me chegou às mãos, pela Mariana, em Cabo Frio, lá no sebo do Ventura, que, segundo o proprietário, é apenas a ponta do iceberg de seu vastíssimo acervo. Uma maravilha: a viagem, a cidade, a praia e, certamente, a leitura dos contos do Chico, que estou recomendando a quem procure textos leves – nem por isso social ou literariamente irrelevantes – que nos mostrem um narrador arguto e detalhista, virtude que o terá favorecido na fantástica criação de personagens para a tevê.

Chico nos conta 35 histórias, cada uma delas com poucos personagens, com conflito bem específico e nos prende a atenção como os bons contadores de histórias, deixando-nos certo suspense, ora confirmando nossas previsões, ora nos decepcionando quando esperamos/imaginamos que o narrador vá consertar o mundo, numa espécie de ‘deus ex machina’, que nos abandona, por exemplo, em ‘Banho de mar’, um texto antológico de que falo a seguir.

O homem comunica à esposa que vai dar um mergulho, num dia em que no Rio ‘faz um sol de deserto’. É um personagem de vida simples, que vive em um apartamento de fundos com uma senhora obesa, que não vai com ele e fica preparando a galinha para o almoço. O homem, que queria voltar depressa, não nadava bem: ‘Observa o deslizar da nadadora com uma ponta de inveja por ser incapaz de mais do que cinco braçadas’. O narrador – como se vê – já acendera o alerta para o fim trágico; resta aguardar, resta torcer… O resultado é este: ‘De repente, já não vê a praia, mas um navio branco que passa além da ilha. É quando lhe dá a cãibra e, então, nada mais importa, nada mais pode ser feito. Ele começa a afundar, afundar… Nesta hora, na Barata Ribeiro, a galinha ficou pronta’.

São esses recortes da vida, recortes trágicos, nas mãos e na inteligência de alguém que viveu de fazer rir. O escritor Jorge Amado, apresentando a obra, viu isso muito bem: ‘Cada conto é um corte no quotidiano. São pequenos dramas vividos e contados sem estardalhaço, sem que jamais descambam em dramalhão, pois Chico Anísio os narra mansamente, como um mestre. Sim, um mestre do conto e da emoção’.

Bem, ficou aí o aperitivo, certamente sem o brilho do original. Guardei o livro, que poderá ser compartilhado com quem o queira, com a ressalva de que o meu exemplar tem um valor adicional: traz o autógrafo de Chico Anísio. Sem data. Ele assina apenas Chico. Com um C enorme, quase um círculo e o resto do nome, pequeno, seguindo a curva do C. O mestre do humor, lá nos idos da década de 70, dedicou-o ao dr. José de Freitas, cujos herdeiros se descuidaram da preciosidade. Estou atento!