Na escola, a professora, o Carlinho, a oliveira, a uva e o Lula.

Na sala-de-aula, a professora, mulher de não se sabe quantos anos - tantas intervenções cirúrgicas lhe alteraram tão significativamente o rosto que é a sua idade irreconhecível (suspeita-se, todavia, que ela está entre vinte e trinta, embora a sua aparência...) -, de cabelos azuis, rosas, laranjas e roxos, a exibir quatro brincos fálicos, dois dependurados de cada orelha, a esticá-las para baixo a ponto de rasgá-las, o corpo naturalmente grotesco, deformado de tantos vincos abertos à bisturi e protuberâncias pontiagudas, coberto de tatuagens agaratujadas constituídas de símbolos satânicos, diante dos alunos, crianças petrificadas, a fitá-las, boquiabertas, assustadiças, trêmulas de medo, voltou a sua atenção para um deles, dele aproximou-se, o olhar nele fixo, quase lhe encostando o nariz adornado com duas brotoejas vermelhudas no inofensivo e melindroso nariz rosado, e com sua voz cavernosa e seu hálito putrefato interrogou-o:

- Carlinho, querido - onda de calafrio gelou a espinha do menino, cujo estado pétreo assumiu densidade superior à do diamante, e roubou-lhe o sangue dos vasos sanguíneos -, qual é o fruto das oliveiras?

E Carlinho, a tremer como vara verde, a gaguejar chorosamente, respondeu-lhe:

- Uva.

- Uva, menino?! - perguntou-lhe a professora, dele se afastando - Uva?! Tolinho! Tolinho! - e aproximava sua mão asquerosa do queixo infantil dele.

Para fugir ao contato com a mão, tão repulsiva! que lhe inspirou a vontade de correr em desabalada carreira até sua casa, mas suas pernas não o obedeciam, tratou, e logo, de explicar-se:

- Foi o Lula que disse. Ele, depois de voltar do Egito, plantou, não sei onde, uma oliveira, e perguntou para um homem dali quanto tempo a árvore plantada daria uvas. Foi o Lula que disse.

Ao ouvir tais palavras, a professora recuou até a parede, mãos à boca escancarada, arregalou os já excessivamente arregalados olhos, que estavam para atirarem-se-lhe para fora das órbitas, e na sequência levou suas monstruosas gadanhas à peitama transbordante, e sorriu como que num êxtase espiritual. E disse, animada, exaltada:

- Sim! Uvas! Uvas! Oliveiras! Uvas! Das oliveiras, uvas. Uvas! O homem sem pecados, a mais honesta das almas brasileiras, ser superior que tem acesso exclusivo à sabedoria universal da natureza compreende, mais do que ninguém, a Mãe Gaia. Ele dela entende os segredos misteriosos, que só estão ao alcance dos escolhidos. E Lula é um dos escolhidos. Talvez o único. Ele sabe que das oliveiras nascem uvas. Ele sabe! Ele sabe! E revela-nos o seu segredo! O seu segredo! Uvas! Das oliveiras, uvas! Uvas! Lula sabe! Lula sabe! Das oliveiras, uvas! Uvas! Lula sabe!

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 19/02/2024
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