Perda crônica de memória útil

Estou fardo de memórias escoarem de minha mente como o farelos de pão que caem de um prato que se inclina rente ao chão. Ontem mesmo, eu sabia tanto e hoje não sei mais. Estou cansado de dar-me o dever de relembrar o que não lembro. Me esqueço até mesmo de como gastei o tempo. Sobre ontem, não lembro o que comi no café da manhã, do almoço ou da janta talvez, mas não do café da manhã, não lembro que fiz assim que acordei, ou até mesmo como estava vestido nesse momento. Mas lembro de um sorriso que vi no comercial, lembro do barulho do bater de uma porta com muito torque, lembro-me do cheiro azedo que estava saindo de minhas axilas. Lembro-me apenas do que não preciso lembrar, uma tortura perante os céus. Os rostos das quais me deleitei em prazeres tomaram o lugar das fórmulas, o barulho de uma moto distante tomou o lugar de uma frase, o estralar do digitar em teclas de um computador tomou o lugar de ideia. No meu fim, não restarão mais fórmulas, frases ou ideias, apenas o decompor da matéria que me compõe, a inexistência de meus sentidos, o vazio minhas memórias, porque se perderam até não existirem mais.