🔵 ”Toda vez que a bruxa me assombra, o menino me dá a mão”

Um sábado empinando quadrado (pipa) na laje não alterava o ritmo de uma incipiente vida, sendo que a sequência de compromissos era jogar bolinha-de-gude e rodar pião. A realidade: sem documentos, boletos, profissão e leis, somente a lei da gravidade.

A impressão de vida eterna fazia laje e chão parecerem iguais, de modo que a altura era praticamente ignorada. Pois, terminado o estoque de maranhões, peixinhos e quadrados no céu ou boiados (pipa com linha cortada), no rodízio de desafios pueris, era chegada a hora da bolinha-de-gude.

Eu desejava chegar rápido lá embaixo. Na verdade, o precoce espírito competitivo me obrigava a ser o primeiro. Meus dois amigos propuseram um desafio: “O último a chegar é mulher do padre”. Pronto, a partir da aposta, já não havia amigos, eram concorrentes. Então, vencer era questão de honra e perder significava a humilhação eterna.

O jeito mais rápido de vencer os dois metros e meio de altura da laje era pulando numa telha mais baixa e descer os últimos degraus da escada, tudo conforme eu já estava acostumado. Rapidamente, calculei a manobra e comecei o “le parkour” infantil. Porém, a ansiedade de alcançar o solo antes de todos se tornou uma perigosa realidade. A telha de amianto partiu... Nesse momento, eu apaguei.

Não houve nenhuma experiência fantástica, nenhum relato fabuloso, sem luz no final do corredor, nada da experiência de quase morte, sem a mão amiga de algum ancestral, apenas um apagão (deve ter sido um desmaio). A memória registrou o antes, de modo que eu não sei como caí, nem como sentei encostado no muro. Acordei, sem nenhum arranhão, sem entender o desespero estampado no rosto da mãe do meu amigo, levantei e fui brincar. Para me sentir vivo não bastava abrir os olhos, era necessário sair correndo.

É um bom motivo para acreditar em proteção ou, numa linguagem mais simples, Anjo da Guarda. Difícil de acreditar na simples sorte.

⚫️ “Há mais coisas entre o céu e a Terra do que pode supor nossa vã filosofia”.

(William Shakespeare)

RRRafael
Enviado por RRRafael em 26/02/2024
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