O Judô na Agricultura

 Moacir Sales Medrado[1]

 

 

No tatame da agricultura, enfrentamos adversários de diversas naturezas. Dentre eles, tem-se incluído o mato como um inimigo a ser combatido com a arma mais letal de nosso arsenal:  o herbicida químico. Uma arma que exige cuidados e técnicas refinadas pois quando usado indiscriminadamente, além de oneroso, carrega consigo riscos ambientais e para a saúde humana, sem mencionar a contribuição para o surgimento de ervas resistentes, perpetuando o ciclo de guerra contra o mato.

 

Em um mundo que frequentemente escolhe o confronto direto em detrimento da harmonia com a natureza, a mensagem de Joana Dobereiner ressoa como um chamado ao equilíbrio e à sabedoria. Ao descrever a técnica da cobertura morta, ela nos apresenta não apenas uma prática agrícola, mas uma filosofia que respeita os ciclos e os processos naturais. Inspirado por seus ensinamentos vamos tecer uma crônica que entrelace a sabedoria ancestral da cobertura morta com a necessidade urgente de abraçarmos práticas agrícolas mais sustentáveis e respeitosas com o meio ambiente.

 

Ao observarmos a natureza, percebemos que ela não desperdiça, não destrói sem propósito. Cada folha caída, cada galho quebrado, serve a um propósito maior, contribuindo para a riqueza do solo e a manutenção do ciclo de vida. Inspirados por essa sabedoria, agricultores e pesquisadores visionários começam a questionar a lógica de uma guerra química, sem fim, contra o mato optando por uma abordagem mais harmoniosa e sustentável: transformar o “inimigo” em aliado.

 

A mensagem de Dobereiner é clara: a cobertura morta não é apenas uma técnica agrícola; é um convite à reflexão sobre como interagimos com a terra. A utilização inteligente de cobertura morta na agricultura representa um investimento na saúde do solo, na biodiversidade e na sustentabilidade de nossas práticas agrícolas. Assim como no judô, onde a sabedoria reside em usar o peso do adversário em favor próprio, na agricultura, essa técnica milenar promete revolucionar nossa luta diária contra o mato.

 

Roçar o mato para melhorar o solo transformando-os em cobertura morta é como um ippon contra plantas indesejáveis, beneficiando culturas variadas, desde a erva-mate até pomares de maçã. Além disso, essa técnica, também, mantém a temperatura do solo estável, reduz a evaporação da água, melhora a aeração e protege o solo contra a erosão. Segundo dizia Dra. Joana, áreas com 15% de cobertura têm muito menos perda de água por escorrimento comparadas a áreas com apenas 1% de declividade, mas sem cobertura. Adotar essa prática mostra um respeito ao equilíbrio natural e reconhece que colaborar com a natureza oferece benefícios substanciais à agricultura.

 

A resistência a essa ideia por parte de muitos agricultores e técnicos talvez resida na crença equivocada de que a limpeza total do solo é sinônimo de controle e aumento da produtividade da cultura principal.  Entretanto, a natureza nos ensina que a diversidade acima ou abaixo do solo e o equilíbrio são chaves para a sustentabilidade e a resiliência. Encaminhar o texto para essa abordagem que valoriza o uso da cobertura morta diversificada proveniente do mato é uma mudança de paradigma. É reconhecer que, às vezes, a força bruta e a resistência frontal não são as respostas. É aprender com o judô a arte de redirecionar a força, de transformar o que parece ser um obstáculo em uma vantagem, de ver no "adversário" um potencial aliado.

 

Que essa crônica sirva de reflexão e inspiração para agricultores, técnicos e todos aqueles envolvidos na arte de cultivar a terra. Que possamos aprender a trabalhar com a natureza, e não contra ela, usando o peso de nossos "adversários", no caso o mato, a nosso favor, em prol de uma agricultura verdadeiramente sustentável e produtiva.

 


[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM / SEPLAN – Ministério da Agricultura), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Consultor em Sistemas Agroflorestais na Medrado e Consultores Agroflorestais Associados