O CAMPO EM CONTRASTE:  REFLEXÕES SOBRE A AGRICULTURA CONTEMPORÂNEA

Moacir José Sales Medrado[1]

 

No vasto e diversificado mosaico da agricultura contemporânea, cada prática e filosofia agrícola emerge como uma voz única, contando sua própria história, expressando suas esperanças e enfrentando seus desafios. A riqueza dessa diversidade reflete não apenas a complexidade da relação entre o homem e a terra, mas também a busca incessante por equilíbrio e sustentabilidade.

 

A agricultura moderna, com seu arsenal tecnológico, prometeu alimentar o mundo. E, em muitos aspectos, cumpriu essa promessa, elevando a produtividade a patamares antes inimagináveis. No entanto, essa eficiência em alguns casos, veio com custos ambientais e sociais, lançando sombras de dúvida sobre a sustentabilidade desse caminho. Ao mesmo tempo, a agricultura tradicional, enraizada em séculos de sabedoria acumulada, lembra-nos da importância da adaptação e da harmonia com a natureza, apesar dos desafios impostos pela modernidade e pelo mercado global.

 

Neste diálogo entre o antigo e o novo, a agricultura familiar se destaca como um bastião de resiliência e sustentabilidade. Em pequenas parcelas de terra, famílias cultivam não apenas alimentos, mas também tradições, biodiversidade e uma conexão profunda com a terra. Essa forma de agricultura, embora muitas vezes negligenciada pelas políticas públicas e pelos mercados, é a espinha dorsal da segurança alimentar global e da conservação dos ecossistemas.

 

Contrastando com a escala íntima da agricultura familiar, encontramos a agricultura patronal - vastas extensões de monoculturas que simbolizam a eficiência produtiva, mas também levantam questões sobre a concentração de terras, a exclusão social e os impactos ambientais. Esse modelo reflete a complexidade das economias agrícolas modernas, onde a produtividade muitas vezes se choca com os ideais de equidade e sustentabilidade.

 

Além dessas formas, emergem abordagens inovadoras como agroecologia e agriculturas regenerativa, sintrópica, orgânica e sustentável, cada uma oferecendo soluções únicas para os desafios da produção de alimentos no século XXI. Elas não são meros rótulos ou estratégias de marketing, como muitos apregoam, mas respostas genuínas e necessárias à crise ecológica e social enfrentada pela agricultura global. Complementar a esses tipos de agricultura, sistemas de plantio direto, sistemas agroflorestais tradicionais e sistemas da estratégia de integração lavoura-pecuária-floresta aliados a ferramentas modernas como drones, equipamentos para dar precisão à agricultura representam a ponte que poderá ligar o saber ancestral e a inovação tecnológica, abrindo novos caminhos para uma agricultura mais sustentável e justa.

 

Nesse contexto multifacetado, uma transformação fundamental está em andamento, reformulando não apenas as práticas agrícolas, mas também os mecanismos que as financiam. A evolução do sistema financeiro, com a emergência de novos instrumentos de investimento focados na sustentabilidade e responsabilidade social, tem potencial para redirecionar significativamente os recursos para a agricultura de forma a garantir proteção à biodiversidade, conservação dos recursos naturais e promoção da equidade social. Iniciativas como os Principles of Responsible Investment (PRI) da ONU são marcos dessa transformação, apontando para um futuro onde os investimentos são alinhados com a proteção ambiental e a justiça social.

 

No Brasil, essa mudança ganha contornos particulares, com os maiores bancos privados buscando formas de financiar atividades ambientalmente responsáveis. Esse movimento do sistema financeiro é um sinal promissor de que a sustentabilidade está se tornando um valor intrínseco, capaz de moldar uma agricultura que honra a terra e suas comunidades.

 

Esta crônica é, portanto, um convite à reflexão sobre a interconexão entre a terra, suas práticas agrícolas e os fluxos financeiros que as sustentam. Ao reconhecer essa diversidade, entendemos que a solução para os desafios da produção de alimentos não reside em uma única abordagem, mas em um conjunto de soluções integradas que incluem não apenas métodos agrícolas, mas também práticas financeiras inovadoras. A terra fala em muitas línguas, e agora, mais do que nunca,

 

 


[1] Engenheiro Agrônomo (UFCE), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN – Ministério da Agricultura), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), consultor na Medrado e Consultores Agroflorestais Associados.