A Cinderela

Esses anos oitenta!... vou te contar , deixaram marcas, que o futuro nunca irá apagar.

Numa noite, que não sei precisar eu, Gel e Eli estávamos na esquina da rua do Fio jogando conversa fora.

A luz do poste, naquela periferia, pra variar estava queimada, mesmo assim, a que vinha tenuamente da taberna, A vez é sua, não permitia a escuridão total.

E nós abrigados sob uma barraca de venda de verduras a falarmos de diversas coisa, ao que Eli comentou:

- Rapaz vocês já ouviram, Noturno, música do Fagner ?

Gel respondeu:

- Nem sei quem é Fagner.

Dei uma risada calma e comecei a cantarolar :

- O aço dos meus olhos e o fel das minhas palavras ...

E concluindo me expressei:

- Pronto Gel, apesar de eu não gostar do Fagner, essa música é bonita e agora você já conhece.

Embalados num riso generalizado, nem nos demos conta de um facho de escuridão habitante, pelo lépido clarão da esquina , oriundo da taberna, quando nesse vácuo de segundos, entre os nossos sorrisos e a noite vazia, o impacto da beleza daquela menina moça, encheu nossos corações... com os seus cabelos negros podados, seu andar lento calçado, num passo suavemente envergonhado, dentro daquela saia rodada e pinçada, com sua blusa vermelha... sem querer surpreender, rasgou o tempo a nos acordar pra ambição, cobiça e desejo.

Seduzido então pelo olhar, mas impedidos pelo momento social, eu só fiz olhar.

Gel e Eli ousaram assoviando... Mas ela seguiu andando, sem olhar.

Ela... Ela se tornou-se o assunto mais comentado daquela noite. Todavia, comedido, me reservei a pouco falar, pra não alarmar a concorrência. Fiquei só pensando quem era, de onde surgira e como faria pra me aproximar, já que a timidez era uma das minhas fraquezas imperativa.

Nesse interim, minha mãe me chamou pra jantar. Me despedi dos amigos e segui na ânsia de vê-la de volta passar . Por isso, nem me alimentei adequadamente e ao terminar corri pra janela, sem ouvir qualquer reclamação de minha mãe.

O inicio da rua escura não me permitia saber se eles continuavam lá, mas da minha observação, outras luzes me denunciavam ali, como lobo solitário na janela a esperar aquela garota voltar.

Como previ, sem certeza ela surgiu como o valsar do vento na tempestade. No anônimo de seu ser, chamava pra si toda atenção por ser também desconhecida. Arrebatava a curiosidade, mas o que me incomodava era ficar refém da sua exclusividade. Naquela hora, ela passando, ergueu a cabeça e me olhou, tive a impressão, que ela se apresentou...

Foi tão profundo que o meu coração pela primeira vez se apaixonou. Quase não consegui dormir pensando naquela visão do Paraíso, mas fui vencido pelo cansaço.

Era inicio das aulas e eu tinha sido aprovado na prova de admissão no Magalhães Barata, minha mãe toda orgulhosa passou minha roupa e eu sai de casa no primeiro dia de aula todo altaneiro, quando lá cheguei os meus olhos como por encanto desmancharam ao encontram os dela. Meu coração se assemelhou a um vulcão...suando frio, meus olhos castanhos diziam o que a minha boca não tinha coragem de dizer.

Você parada ficou na sua fila, como a me olhar, talvez esperando a minha ousadia, talvez nem pensando em mim, mas eu envolvido na tua candura, nem sabia como agir.

Dia a dia passando e eu nas minha idas e vindas sempre te via, tão especial me servias, que a cada hora dos segundo, mais e mais me perdia. Nem sei o quanto, mais eu te queria como a mulher de toda as minhas horas de alegria. O problema era aquela minha apatia, falta de confiança e de não saber como lidar.... tudo isso só me comprometia. Foram mais de três anos nessa fissura de só sonhar.

Chuvas e sol nos abrigavam e eu tentava ser importante no colégio pra chamar a sua atenção, porém nada em mim cabia. Até que um dia, na oportunidade do tempo, surgiu um New Romantic, que o centro comunitário, onde a minha mãe e a mãe dela faziam parte ia realizar . E ela estaria lá com as suas primas. Essa informação me animou as intenções e junto com um amigo e meu primo fizemos os planos...tudo parecia tão certo, quanto o final de uma bela novela.

Na rua onde morava nem cogitei nada, apesar de saber da animação de todos em participar, para não aquecer qualquer concorrência, pois a queria só pro meu prazer.

Em seguida fui ter com meu primo e um amigo, que estavam juntos conversando. Cheguei todo alegre dizendo:

- Meninos fiquei sabendo que ela vai ao baile.

Eles me olharam com aquele ar de apaixonado e complementaram:

- Então meu amigo, não temos duvidas. Sábado que vem será o fim da sua agonia. Você dançara com ela e nós com as primas.

Sob o titulo de felicidade os agradeci, na certeza de cada palavra e esperei ansiosamente, até quita feira, quando deles ia recolher o dinheiro referente a compra de uma das mesas, que inclusive havia reservando com a minha mãe.

As dezenove horas, daquela quinta feira, meio que chuvosa, peguei a bicicleta e sai em direção a casa do João, que me informou não ter o dinheiro naquele momento, mas que na sala de aula me daria. Assim seguir a casa do meu primo, com a cabeça nas nuvens e o coração nas mãos. Já ia até imaginava o beijo, quando numa descida curvada um cachorro se enroscou a bicicleta e eu cair a beijar desmaiado o chão.

Todo ensanguentado fui levado a casa de minha tia, onde me banharam e me levaram ao pronto socorro, pra ver se havia algum trauma sério, além das escoriações externas.

Tudo certo, mas na manha seguinte não fui a aula, visto que o meu rosto estava inchado e uma febre avulsa se insurgia. Apesar dos impropérios, havia uma nesga de esperança. Tantas e tantas esperanças emergiam da minha mais profunda vontade.

Na noite de sábado, quando todos pareciam estarem em casa se aprontando, quando tudo parecia na expectativa de ainda se poder ir. Eu tentando me arrumar, escolhendo uma roupa na gaveta, quando veio a triste realidade, sentenciada por minha mãe a dizer carinhosamente como uma faca na minha alma:

- Beto meu filho, seu rosto está muito inchado e dilacerado, ainda mais com essa febre... Sinto muitíssimo, mas você não vai sair daqui hoje.

Olhei ao redor, pensando em qualquer coisa, como tristeza, comecei a lagrimar, justamente quando a depressão ainda nem era conhecida. Tão triste fiquei, que nem tive condições de falar. Só eu e meu coração sabíamos, o quanto iria perder pelo resto de minha vida.

Meu amigo e meu primo vieram me fazer companhia e dormiram em casa. O que era o outro dia... qualquer coisa como um mundo comum. Você continuava como uma flor agreste, bem distante do meu jardim.

Quando as cortinas do teatro iam se fechando, após tantas e tantas apresentações a gente se encontrou no acaso, sem papeis definidos, numa noite escura saindo do colégio. Nervoso e sem equilíbrio emocional perguntei tudo e não disse nada, apenas averbei:

- Você por aqui?...

Ela educadamente respondeu com a voz, que eu há tempos buscava ouvir e só naquele dia tive o imenso prazer. Dizia ela:

- É vim trancar a matricula.

Eu tive a ousadia de perguntar o porquê, que ela sem rodeio foi direta:

- Vou servir a Deus.

Isso me calou... Por mais que eu quisesse dizer algo, não conseguia. Como uma força sobre humana, paralisei... deixei-a ir. Ficando só com o seu olhar, seu sorriso maroto, seu cheiro único e aquele momento único.

toda a minha espera, percebi, que era ela, a mulher da minha vida, mas não conseguir dizer, que ela era a minha cinderela.