Cheguei a minha livraria preferida, olhei as novidades, fui ao café no segundo andar, pedi meu café com minha french toast e comecei a escrever no meu notebook. De repente uma voz conhecida, que eu não ouvia há muito tempo falou meu nome. Voltei ao passado e ao levantar a cabeça, vi um velho amigo que poderia me fazer lembrar de um passado que eu havia esquecido. Ou não? Talvez eu apenas não quisesse lembrar. Um passado doloroso é difícil e relembrar momentos em que fui um completo idiota, das escolhas erradas que eu fiz, oportunidades que nem vi e amigos que estavam vivos para me lembrar é o mesmo que ser guilhotinado e o mais cruel: ele estava ótimo, barriga chapada, conservado e uma alegria irritante. Não, não dá. Mesmo assim abracei-o e tenho que admitir que fiquei feliz ao vê-lo depois de tantos anos.

          Ele sentou em minha mesa, sem nenhuma cerimônia e como previsto o passado veio a tona. Claro que havia memórias alegres, loucas histórias, mas terminamos falando dos amigos que já haviam partido de volta a espiritualidade. Uma leve tristeza invadiu meu coração. Temos que ser inteligentes para não acionar o botão do passado, a não ser que você esteja com 85 anos morando em um lar de velhinhos. Nesse caso que venham as memórias para amenizar a solidão.

          O pior então aconteceu: meu amigo tinha notícias do meu ex. Qual ex? Aquele que eu já havia cremado na minha cabeça. O único ex que eu não desejo mal, mas se soubesse que ele estava em alguma missão humanitária na Africa, ficaria aliviado. Poderia ficar pior? Claro que sim. Ele tinha meu ex no instagram. Ô mundo cruel. Passei então a bolar um plano para rever esse amigo apenas uma vez por ano ou quem sabe, apenas na próxima encarnação.

          O martírio então começou: no instagram fquei sabendo que meu ex, aquele safado que me traiu, é bem sucedido, é um coroa lindo e está solteiro, mas com certeza continua o mesmo galinha de sempre. Fiquei arrasado ao saber que ele ainda coordena projetos sociais para crianças na área da educação. Como assim? Em que universo esse esgoísta que me fez dar ataques de ciúmes em festas, passar noites em claro bebendo sem saber onde ele estava e que me fez obrigar meus melhores amigos a me ajudarem a fazer uma pequeno e leve trabalho em uma encruzilhada para trazer o amado de volta em três dias, virou uma pessoa altruísta? Meu amigo parecendo ler meus pensamentos decretou: ele é uma pessoa completamente diferente do passado. Vocês se conheceram na época errada. Ok, isso foi a gota d'água. Alguém chama a polícia, por favor.

          Finalmente meu velho amigo levantou, deu-me um abraço apertado e foi embora. Pedi outro café, entrei no instagram do meu ex e solicitei permissão para segui-lo. Ele está outra pessoa é? Bom, eu também estou. Recordar é viver? Pode ser, mas desta vez quem sabe pode ser um recomeço.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 13/03/2024
Reeditado em 13/03/2024
Código do texto: T8019233
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