Uma crônica de receita

Sentir tua ausência tem me feito bem. Por favor, não entenda mal, acho até que é uma expressão de muito amor, posto que por vezes não sustentamos nem mesmo a nossa própria presença em nós em excesso. Talvez, em mais de uma dessas vezes que devaneei, eu tenha vislumbrado que agora eu tenho o que projetei na primeira infância. Eu me vi aos 6 novamente. Vi meu primeiro livro de receitas, tão aberto para mim, quanto seria possível da transmutação pela qual passamos quando aprendemos a ler. A imagem por si fala, então as imagens da receita pronta era a sedução primeira, daquele primeiro livro. Ninguém me havia dado de presente aquele livro. Eu o vi. Eu o peguei. Eu o mantive comigo...por um tempo.

Além das imagens, tínhamos todo o resto, típico do gênero que promete e entrega a receita de algo, mas nunca disse que entregaria o prato pronto. Então, o texto (a parte textual) entrega os ingredientes que VAMOS PRECISAR, e nos encarrega da tarefa de consegui-los, ainda sem garantia alguma de que teremos o 'prato'.

Depois dos ingredientes, a receita entrega o modo de preparo, é aí que a receita GRITA. O modo de preparo é você. Como vai ordenar os ingredientes?, que força vai usar para unificá-los?, por quanto tempo vai fazê-lo? É preciso mexer até que ponto?

Não adianta, mas o desespero de não fazer bem o SEU modo de preparo vem. Você tenta contornar, então ou põe mais força, ou mais tempo...as vezes põe os dois, na dúvida. . . E vai descobrir que não era nem um, nem outro. Era ausência. Um pouco de ausência. Da mesma forma que meu livro de receitas. Eu soltei o livro, já que o modo de preparo é sempre o MEU. Eu decidi minha própria forma de usar meus ingredientes. Inclusive, meu próprio jeito de perceber quando acabou. . .

Assim eu posso repor na primeira oportunidade.

Évora Solitu
Enviado por Évora Solitu em 17/03/2024
Código do texto: T8021686
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