"O Leite Condensado"

Manhã de um dia com muita luz, sol majestoso num lindo pavilhão azul.

O ar seco fazia o dia ficar mais quente, a sensação térmica era de uns 45 graus na sombra. Não havia nada que baixasse a marcação dos termômetros, que beirava os 40 graus.

Na minha casa, tudo parecia muito bom.

Estávamos eu, Totai e Deda, brincando no quintal, onde tínhamos amoras, goiabas, peras e figos. A época era de goiabas e amoras, os figos estavam verdinhos e pequenos, a pereira do mesmo jeito, com frutos bem pequeninos e verdes. Lá, também tínhamos um galinheiro, e um galo bem bravo, que corria atrás da gente sem parar, quando algum de nós entrava no seu reduto, o bicho era bem descontrolado e bravo; meu avô dizia que ele protegia as suas meninas, e nós riamos muito com aquilo.

Mas, naquela manhã, eu tinha uma missão a cumprir. Nós havíamos combinado de tirar uma latona de leite condensado da despensa, para colaborar com os coleguinhas que iriam trazer as bolachas e bolos.

Faríamos um café da manhã com muitas frutas, biscoitos e o tal do leite condensado. Claro que seria um sucesso. Convidamos algumas meninas para participar, e elas toparam. Todos regulávamos de idade entre 6 e 8 anos. Iríamos tratar sobre os futuros bailinhos de garagem, onde, e quando poderíamos fazer acontecer.

Enquanto meu irmão mais velho preparava a bancada para colocarmos as comilanças, e já recebia os coleguinhas pelo muro de trás, que pulavam com facilidade, eu já subia pra casa e iria tentar apanhar uma latona de 1,5 kg do tal leite condensado.

Minha mãe, de vez em quando, fazia bolos confeitados para as vizinhas, isso quando ela se dava alta do quarto, onde vivia internada. Ela mantinha um pequeno estoque do tal leite condensado, e por achar que ela não teria o controle, pensei que não notaria a falta de uma das latas.

Fui à despensa, e pude ver que haviam seis latonas do produto, tão cobiçado por todos nós, então peguei uma, para enriquecer o nosso café da manhã.

Eu e Clóvis Oscar, abrimos a tal latona, e começamos a dividi-la em copos de papelão, daqueles de festa de aniversário, e cada copo com sua colher de plástico para facilitar a degustação.

Todos os amiguinhos presentes, começamos as conversas e as tratativas para fazermos do próximo sábado, um dia inesquecível, uma tarde imitando os bailinhos de garagem, na casa de uma das meninas, que já viera com a notícia positiva de sua mãe, seria muito bom.

Comíamos bolo, tomávamos chá mate, feito pela vizinha nossa amiga, e, tínhamos o tal leite condensado delicioso, em abundância, era um verdadeiro sonho. Minha turminha era muito boa! Não brigávamos, nem discutíamos, nos respeitávamos.

A reunião havia sido um sucesso! No sábado teríamos a chance de curtir algumas músicas dançando com nossas amigas e colegas do coração.

Todos já bem satisfeitos, foram para suas casas, e nós, resolvemos ir para a rua jogar uma boa pelada. Largamos tudo lá e lá fomos queimar as colorias que havíamos ganhado, e não eram poucas.

Jogo em andamento, e nós bem elétricos.

O sol torrando os miolos, mas não havia nada que nos impedisse de jogar.

De repente, um grito invadiu a nossa pelada. Era minha mãe, no terraço da frente da minha casa, vestida com seu penhoar de seda, gritava feito louca o meu apelido, e do meu irmão, os dois primeiros nomes:

- Maneco e Clóvis Oscar, venham já aqui! Vamos!

O que teria feito aquela senhora ficar daquele jeito, esgoelando por nós?

De imediato fomos ao portão, e ela abriu a porta por dentro e ficou atrás, olhando pela janelinha que havia na porta da sala. Eu, olhei para o meu irmão, e fomos entrando, não tínhamos escolha.

Entrei e logo disparei correndo para o fundo da casa, meu irmão fez o mesmo. Não sabia o que nos esperava. Foi daí que a coisa toda se revelou, ela havia descoberto sobre o leite condensado que peguei da despensa.

Veio aos gritos, atropelando minha avó que se colocara entre nós e ela. Nos alcançou com a lata do leite condensado vazia na mão. Xingava aos quatro cantos! Nos chamava de ladrões, marginais, vagabundos, e outro nomes que prefiro nem citar.

Munida de uma escadinha de madeira de uns 50 cm, que fazia parte de um brinquedo da “Trol” (caminhão do corpo de bombeiros), que havíamos ganhado no Natal passado, ela começou a desferir diversos golpes na cabeça do meu irmão “Totai”, e logo passou para a minha cabeça. Nossa, aquilo doía muito! Se colocasse a mão na frente, quebraria os dedos. O remédio era tentar esconder a cabeça e o corpo que aquentasse as pauladas. Acho que o ritual dantesco demorou uns 5 minutos, mas pareceu uma eternidade. Era uma tortura alucinante, cada paulada, era uma mancha azul em minha visão interna, nem sei explicar os tais “flash’s”.

Depois da fúria ter-se debelado, ela jogou a lata na minha cabeça e foi se recolher ao covil, quer dizer, quarto.

As surras eram homéricas, não deixava a desejar a nenhum torturador. Ela sabia judiar e nos deixar bem doloridos e apagados. Eu chorava muito, e meu irmão também, mas era assim, seria assim, e não teria escapatória.

Sei que o que fizemos não foi certo, mas a surra, até hoje, acho que não foi compatível ao erro.

Minha avó, como sempre, cuidou dos nossos galos na cabeça, dos hematomas diversos nas costas, nas mãos, e nos braços. Aquele dia lindo, brilhante e de conquistas, já não tinha a mesma cor, o mesmo tom brilhante, havia ficado sido pintado de cinza, e com muitas sombras.

O pior de tudo, era pensar que ela poderia voltar a nos surrar, pois às vezes era assim, ela voltava a nos atacar e a falar no fato. Isso muito nos preocupava...

Depois de um dia ter sido despertado do meu sono com uma tremenda chinelada no rosto, eu dormia ressabiado, com medo daquela coisa se repetir.

Minha avó nos aconselhou a ficarmos longe da despensa, e nunca mais pegar nada de lá sem ordem. E assim foi.

Naquela noite, dormimos com muitas dores no corpo e na cabeça. Não foi um sono tranquilo, nem poderia ser...

Claudio Falcão
Enviado por Claudio Falcão em 21/03/2024
Código do texto: T8024577
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