VENDO MÁQUINAS DO TEMPO

Caminhava para o trabalho após o almoço. Distraía-me com a história de uma dançarina do ventre que ganhou notoriedade no final do século XIX e princípio do XX, por ser uma serial killer. Os olhos baixos e atentos sobre as páginas, enquanto seguia pela calçada, caçando as sombras sob o escaldante sol do meio-dia.

A mulher pareceu surgir do nada, como uma ilusão. Não era para menos. Estava a cinco passos da esquina, onde uma cerca viva de sansão do mato ladeava a fachada do prédio que servia de loja de conveniência e caixa do posto de gasolina. Ela e o carrinho assustariam a qualquer um, vindo dali.

O mais surpreendente, não foi a pergunta:

— Quer comprar cestos?

Não foi também a figura que se apresentou diante dos meus olhos. Lia sobre uma dançarina do ventre e tinha diante de mim uma senhorinha com olhos negros e fisionomia asteca. Uma aura de mistério — coisa da minha cabeça, claro. Cabelos escuros sob um chapéu de palha largo, empurrava um carrinho onde os cestos do mesmo material se empilhavam. Não sorria e isso me atingiu de maneiras diferentes.

Uma vendedora de sucesso seria mais amistosa ao oferecer o produto. É certo que perambular pelas ruas empurrando aquele carrinho, sob um céu de azul anil e poucas sombras para se proteger, deveria ser excruciante até. O humor não estaria favorável para a gratuidade dos sorrisos.

Provavelmente a influência das linhas com a história da tal dançarina assassina, me levaram a compreender aquele olhar com suposições estapafúrdias. Procurava por mistério em uma piscina de águas claras. E um homem de metro e oitenta de altura não deve temer uma senhorinha de pouco mais de metro e meio, um pouco além do peso e rugas visíveis, empurrando um carrinho com seis ou sete cestos de palha.

Mas, naquele ínfimo segundo que durou nosso encontro, entre ouvir-lhe a pergunta, absorvê-la, preparar uma resposta educada e pronunciar:

— Hoje não, obrigado.

Um sem-número de sinapses foram disparadas pelos meus neurônios e a mais absurda delas, motivou a escrita dessa página de suposições tresloucadas: hoje é quinta-feira e a mulher está vendendo cestos. Respondi-lhe que hoje, não pretendia comprar um deles. Como seu humor não estava propício, ignorou-me e seguiu seu caminho. Meu espírito brincalhão, sussurrou:

— Não são cestos! São máquinas do tempo.

Qual seria a diferença mor entre um “cesto” e uma “cesta”. Já ouvi minha mãe dizendo: “ponha essa camisa na cesta de roupa suja”. E lembro-me que se tratava de um objeto grande e circular de palha, semelhante aos que a dançarina asteca me ofereceu ainda a pouco. Era perfeitamente cabível para minha mente aturdida pelo sol do meio-dia e por histórias de dançarinas assassinas, entender que em plena quinta-feira, alguém estava vendendo sextas.

Ri bastante. O suficiente para fechar o livro e apoiar-me no muro da casa seguinte e usufruir de minha loucura solitária. Dizem ser maravilhoso rir de si. Mas, ao retomar meu caminho, aproximando-me do portão do escritório já caçando no bolso a chave do cadeado que o cerrava, outra sinapse maluca:

— E se eu comprasse o maior deles e me acocorasse lá dentro? Viajaria para o futuro?

Num universo paralelo talvez. Um lugar onde a mágica existe e uma dançarina asteca vendedora de máquinas do tempo pode te levar em um piscar de olhos até a sexta-feira, onde você poderá sentar-se sob a sombra de um quiosque, pedir uma cerveja e escapar do calor e não pensar em mais nada.

Agora, quando julguei que o último parágrafo estaria ótimo para finalizar essa crônica, fui até o início e intitulei-o “VENDO MÁQUINAS DO TEMPO”. E meu cérebro trabalha de novo: qual é o verbo? Vender ou ver?