Os exibicionistas.

Creio eu que os humanos somos exibicionistas por natureza, e não é de hoje que tal eu penso; mas hoje em dia, mais do que em qualquer outra época, temos os humanos à disposição bugigangas e parafernálias tecnológicas que nos permitem alcançar um público infinitamente superior ao para o qual os mais exibicionistas dos nossos antepassados exibiam as suas belezas e as suas feiúras.

Cada um de nós tem para exibir o que cada um de nós tem para exibir, e nada menos, e nada mais, apesar de alguns de nós desejar exibir mais do que têm para exibir, e não é nada demais exibir-se, desde que cada qual faça uso de sua vontade e exiba o que entende merecer ganhar o grande público, ou o pequeno. Uns de nós, mais exibicionistas do que outros, não se contêm: exibem de si mesmos até, e principalmente, o que a discrição pede que se conserve oculto de olhos alheios, em especial dos de levianos, mexeriqueiros, fesceninos; outros, no entanto, esquivam-se de toda e qualquer armadilha exibicionista e recolhem-se cada qual ao seu canto, preservando de olhos indiscretos cada um a sua intimidade, o seu espaço.

Não há quem não conheça gente que não passa um minuto sem se expôr, em suas redes sociais, para seu público cativo. E, pior! há quem ache lindo, o máximo, revelar, em fotos e vídeos, para o universo, o das redes sociais, tudo o que faz, o que vê, o que toca desde o instante em que desperta de um longo sono até o em que se deita para pregar os olhos: ao acordar, estremunhado, espreguiçando-se, embrulhado em vestes sumárias; em poses exdrúxulas, supostamente sensuais, a mostrar a língua, ou a fazer biquinho; diante do espelho, a se pentear, em poses sugestivas; numa academia, a exibir os músculos; à mesa, num restaurante, diante de um prato recheado, a gesticular e a proferir sentenças mundialmente conhecidas, e, minutos depois, diante do mesmo prato, agora vazio, a enodoá-lo vestígios dos víveres consumidos, a falar do prazer da gula; e a remexer numa bolsa grávida de perfumarias e outros brinquedos, e na carteira afortunada; e... tudo, enfim.

Que há pessoas que trocam os pés pelas mãos ao usarem das tecnologias, há, ninguém há de negar, e não são poucas as que, usando-as mal, perturbam-se ao exibirem mais do que pede o bom-senso e atormentam espíritos alheios. Todavia, porém, no entanto, temos de, sem moralismo vazio, patético, sem julgarmos e condenarmos vícios alheios, e cientes de que todos somos sujeitos a cedermos ao chamado do exibicionismo mais explícito - e que atire a primeira pedra quem nunca sentiu o comichão de exibir-se estupidamente para oito bilhões de primatas superiores -, reconhecer um bem inestimável que os exibicionistas oferecem à espécie humana: farto material para os homens do futuro estudarem os hábitos, as veleidades, a cultura, enfim, dos homens que pela Terra perambularam no início do século XXI, e assim saberem o quão tolos somos, e concluírem, acredita-se, que eles compartilham conosco, do mesmo modo que nós com os nossos ancestrais das cavernas, dos mesmos vícios, das mesmas virtudes, das mesmas bestialidades, das mesmas nobrezas, da mesma humanidade - da mesma humanidade, sim, ora bolas! afinal serão os humanos do futuro humanos, mesmo que lhes alimentem a presunção de pertencerem à espécie superior à de hoje, da de hoje evoluída, do mesmo modo que muita gente de hoje se sente em relação aos homens das cavernas, porque imersos num mundo de quinquilharias que os seus antepassados jamais imaginaram um dia existir. E assim caminha a humanidade, desde sempre, para sempre. A natureza humana é, hoje, o que era ontem, e amanhã será o que é hoje. Humanos, sempre humanos. O mal, o infinito mal, está na idéia que muito mal faz aos humanos: a de que a espécie humana pode ser aperfeiçoada. Impossível. Não evoluimos os humanos um ponto desde que o primeiro homem pisou na Terra, e não evoluiremos que seja uma vírgula até o dia em que o último homem deixar a Terra. Um dia o que teve início encontrará um fim. E assim será. E os humanos seremos eternamente exibicionistas, para o bem e para o mal.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 23/03/2024
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