OS "CUPINZEIROS"

Em 1976, por volta de 22horas, a rede Globo exibiu uma telenovela chamada Saramandaia, escrita por Dias Gomes, que fez muito sucesso. Nela havia personagens exóticos, dentre eles um que voava (João Gibão), outro que virava lobisomem em noite de lua cheia (Ary Fontoura), uma muito obesa (Wilza Carla) e outro que expelia formigas pelo nariz (Castro Gonzaga).

Ao me recordar disso, eu me lembrei de que as formigas têm uns “primos”, que servirão de inspiração para eu escrever essa crônica, que se assemelha a uma fábula: os cupins. Já vi os seus “cocozinhos” espalhados no chão, próximos a coisas que eles adoram comer: madeira. Mas eu também já vi uns murundus enormes em algumas fazendas e me disseram que ali moravam cupins, que gostam de celulose.

Pesquisando sobre esses bichinhos, descobri que são insetos classificados como isópteros, que há cerca de 2.800 espécies catalogadas no mundo e que algumas voam. Eles são eussociais, ou sejam possuem castas. Uma colônia típica é constituída, basicamente, de três tipos de cupins: um casal reprodutor (rei e rainha, que se ocupa apenas de produzir ovos); numerosos operários (executam todo o trabalho e alimentam as outras castas) e soldados (responsáveis pela defesa da colônia).

Isso posto, passo a lhes contar uma “historinha-fábula”, envolvendo “cupins”, “cupinzeiros nativos” e “cupinzeiros sonhados”. Faço isso, crendo na sua inteligência para depreender os significados reais das palavras que eu coloquei entre aspas.

Era uma vez dois “cupinzeiros” localizados em duas extensões de terra ligadas por uma estreita faixa de terra conhecida como “istmo”. Ambos os “murundus” eram bem grandes e pintados de cores diferentes: o da parte de baixo era pintado de verde, amarelo, azul e branco e o de cima de azul, vermelho e branco.

Além das cores, outras coisas os diferiam: o de baixo tinha muitos “cupins magros” (operários) e uns poucos “gordos”, que se achavam “reis e rainhas” e não gostavam de dividir a “celulose” com os primeiros; não porque não a tivessem em abundância, mas porque achavam que quando morressem poderiam levar consigo tudo o que acumularam. O de cima tinha muito mais “cupins gordos” do que “magros” e muita “celulose” na veia.

Em virtude dessa diferença os “cupins” da parte de baixo viviam sonhando em morar no “cupinzeiro” do norte, mas não era fácil nem entrar e nem morar lá: havia um grande “fosso” protegendo-o, além de muitos soldados para impedirem que “cupins” de outras partes do mundo fossem morar lá. No máximo era possível passear, desde que os “cupins” visitantes não fossem “magros” demais.

Ainda assim, muitos “cupins magros” nascidos ao sul do istmo e, também, os do resto do mundo, davam um jeito de pular o “fosso”, de nadar, de rastejar, de contar mentira dizendo que tinham muita “celulose” em seu “murundu” nativo, que queriam apenas visitar o “cupinzeiro” sonhado e isso era permitido por até seis meses.

Ocorre, que, quando a “cupinzada” do sul conseguia botar as “patinhas” no “murundu” do norte, imediatamente começava a oferecer seus serviços como operários, como soldados, como quase qualquer coisa, em troca de “celulose” da boa, com o objetivo de juntar bastante e mandar para a suas famílias no sul. Para tal, eles moravam em qualquer buraquinho, comiam mal, tomavam banho frio... e se escondiam muito, pois tinham medo de serem descobertos pelos “soldados” e deportados para o “cupinzeiro” de baixo.

Normalmente é muito difícil, mas, de fato, depois de vários anos, vários “cupins” do sul conseguiram autorização para se tornarem “bichinhos” legalizados. Eles esticaram “a patinha”, juraram lealdade perante o estandarte do “murundu” do norte e, desde então, podem sair e voltar para lá na hora que quiserem.

O inusitado dessa “historinha” é que, de uns tempos para cá, tenho ouvido e lido de alguns “cupins” do sul, exatamente de alguns daqueles que passaram aperto durante muito tempo, antes de se legalizarem; que agora são contra os “cupins” do mundo inteiro que também querem entrar para ganhar a “celulose” boa do “cupinzeiro” do norte.

O que eu faço? Três coisas: analiso a alma (e cupim tem alma? Rs,rs,rs...), me pergunto mentalmente o que teria acontecido, se na vez do reclamante só existissem “cupins” que pensassem como ele pensa agora e, por fim, o coloco na minha lista imaginária: “CUPIM DESMEMORIADO”.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 28/03/2024
Reeditado em 09/04/2024
Código do texto: T8029938
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