TIMIDEZ MÚTUA

Já faz tempo que o fato aconteceu, mas essa noite em sonho, passou um curta metragem em cores do que posso classificar como o mais longo convívio com a timidez, que no caso foi mútua.

Naquele momento eu morava em Botafogo, próximo à praia, e momentaneamente sem emprego, dispunha de farto tempo livre.

Cedo caminhava entre Botafogo e o Aterro, para gastar um pouco da energia típica dos vinte anos. E foi assim que acabei tomando conhecimento do Clube Guanabara. Resolvi saber da possibilidade de me associar, como dispensava o pagamento de jóias e mensalidade era compatível, não pensei duas vezes.

Daí para frente, incorporei um anseio impossível de ser praticado nas poluídas águas da baía de Guanabara, passei a fazer uma hora de natação nas claras e às vezes bem frias águas da piscina do clube, como chegava cedo e partia também cedo do clube, dificilmente esbarrava com alguém na piscina.

Sabe aquela estranha sensação de solidão, esse era bem o clima do parque aquático, e não foram poucas, as vezes que não havia uma viva alma fora, e muito menos dentro da piscina.

Então, passei a sair de casa com uma pequena mochila às costas, onde carregava algum livro, calculadora, um bloco de notas, caneta e uma garrafa térmica de água. Assim poderia prolongar minha estada nesse tão tranquilo local, que propiciava estudar, com direito a algum mergulhinho para refrescar o corpo e algumas vezes até a cabeça, afinal cálculo e outros devaneios matemáticos às vezes geram aquecimento cerebral.

E foi nesse clima de tranquilidade, que de repente passei a ter companhia, mas a distância, pois a moça escolheu uma cadeira no lado oposto da piscina, nessa primeira manhã ensolarada, em que pude observar, e ser observado por alguém naquelas dependências.

Outros encontros à distância se repetiram, e inclusive passamos a nos acenar, tanto na chegada, como na partida, mas não passava disso, permanecíamos cada um no seu quadrado, invariavelmente fazendo a mesma coisa. No caso dela, o livro me dava à impressão de não ser de estudo.

Os dias e posteriormente semanas se passaram e nenhum de nós sequer movia uma palha para alterar a situação, vontade não faltava, mas onde foi parar a coragem. Em sonhos, esse relacionamento até evoluía, mas na prática, permanecia estático.

Diariamente nos cumprimentávamos, mas não passava disso, e essa espécie de tortura não definida acabou, assim como tinha chegado. E até esse ocaso passou por uma trajetória no mínimo estranha. Um dia ela não apareceu, na manhã seguinte também não e os dias foram se sucedendo continuamente, até que a ficha caiu.

A timidez mútua impediu que nos conhecêssemos, e o que restou foi apenas esse fio de lembrança de um momento especial, nada, além disso.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 04/04/2024
Código do texto: T8034621
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