Dia das bruxas: como entender?

A ideia que nós temos do "Dia das Bruxas" é aquela imagem passada pelos Estados Unidos. E de bruxa é aquela passada pelos contos de fada. Mas o que se faz hoje é o resquício de uma das primeiras festas religiosas de que se tem notícia na história da evolução do nosso Planeta. A chamada "bruxa" não tem a ver com horror, nem com o demônio, nem nada disso. Sugiro aprofundarmos os estudos sobre história das religiões antes de repetir mecanicamente o que nos foi ensinado por quem queria manter o poder masculino.

Contrariamente a alguma opinião popular, a origem do Halloween pouco tem a ver com os Estados Unidos.

Foi há cerca de uns 2000 anos que o povo celta de França e das Ilhas Britânicas começoara, com a tradição do Halloween.

Para esses povos o último dia de outubro era comemorado como o feriado de Samhain, pois era considerado como o último dia de verão e o início do Ano Novo Céltico.

Essa comemoração celebrava também outros aspectos da sociedade de então, tais como o final da última colheita do ano, o início do armazenamento de alimentos para o inverno, o retorno dos rebanhos dos pastos e o período de renovação das suas leis. Esse feriado era também conhecido como La Samon e como Festa do Sol.

Curiosamente o nome que perdurou até hoje foi o nome usado pelos escoceses, ou seja, Hallowe’en.

A principal lenda celta ligada a esta festividade, relatava que naquele dia todos os espíritos das pessoas que haviam morrido durante o ano, voltariam em busca de corpos vivos para os possuírem e assim viverem no ano seguinte.

Esta crença tinha por base o fato do povo celta acreditar em todas as leis de espaço e tempo, e acharem que era permitido que os mundos dos vivos e dos mortos se misturassem um com o outro, até porque, para eles, esta era considerada como a única forma de existência de vida após a morte.

Mas, como é natural, os vivos não queriam ser possuídos pelos espíritos dos mortos e assim, quando chegava a noite do dia 31 de outubro, apagavam as tochas e as fogueiras das suas casas para que elas se tornassem frias e desconfortáveis e vestiam fantasias para em seguida desfilarem de forma ruidosa pelas ruas, sendo tão destrutivos quanto possível, com o único intuito de assustarem os espíritos que buscavam corpos para possuir e assim reviver. O povo romano chegou a adotar esta prática celta, mas cerca de um século depois de Cristo acabaram por abandoná-la.

A designação de “Dia das Bruxas” nasceu nos Estados Unidos, quando em 1840 os costumes do Halloween foram para lá levados pelos emigrantes irlandeses.

A brincadeira de “doces ou travessuras” foi adaptada de um costume europeu do século IX, chamado de “souling” (almejar).

Os cristãos tinham o hábito de, no feriado religioso de 2 de novembro, conhecido como o Dia de Todos os Santos ou Dia das Almas, andarem de casa em casa pedindo “soul cakes”, (bolos de alma), que nada mais eram que pequenos quadrados de pão com groselha. E para cada bolo de alma oferecido, a pessoa que o recebia rezava uma oração por um familiar morto do doador. E por que se fazia isto? Porque se acreditava que com esta prática as almas que ainda permaneciam no limbo eram ajudadas a irem para o céu.

Um dos outros hábitos do Halloween e provavelmente o seu maior símbolo atual, é a abóbora com uma vela acesa no seu interior. Acredita-se que esta imagem teve origem no folclore irlandês e na história de Jack-O’-Lantern, embora na história original se usem nabos e não abóboras (adotadas por serem mais facilmente encontradas que os nabos).

Também não há Halloween sem referência às bruxas. A sua relação com ele é fortíssima. Reza a lenda que as bruxas tinham duas reuniões festivas anuais: a primeira no dia 30 de abril e a segunda no dia 31 de outubro.

Chegavam ao local da festa em vassouras voadoras, transformavam-se em outros seres e atiravam feitiços e maldições às pessoas. Tudo isto causava um alvoroço enorme, correspondendo à imagem típica de uma bruxa na sua vassoura e com o seu gato preto (e até hoje tem gente que evita gato preto!).

Era comum acreditar que quem quisesse ter contato com uma bruxa deveria vestir a roupa do avesso e caminhar de costas durante a noite de Halloween. Se cumprisse com isso, quando chegasse à meia-noite apareceria uma bruxa.

Ao analisarmos o contexto histórico da Idade Média, vemos que bruxas eram na verdade as parteiras, as enfermeiras e as assistentes. Conheciam e entendiam sobre o uso de plantas medicinais para curar enfermidades e epidemias nas comunidades em que viviam e, consequentemente, eram portadoras de um elevado poder social. Estas mulheres eram, muitas vezes, a única possibilidade de atendimento médico para mulheres e pessoas pobres. Elas foram por um longo período médicas sem título. Aprendiam o ofício umas com as outras e passavam esse conhecimento para suas filhas, vizinhas e amigas.

Segundo afirmam EHERENREICH & ENGLISH (1984, p. 13), as bruxas não surgiram espontaneamente, mas foram fruto de uma campanha de terror realizada pela classe dominante. Poucas dessas mulheres realmente pertenciam à bruxaria, porém, criou-se uma histeria generalizada na população, de forma que muitas das mulheres acusadas passavam a acreditar que eram mesmo bruxas e que possuíam um “pacto com o demônio”.

O filme O poço e o pêndulo mostra que se uma mulher fosse denunciada como bruxa ela seria morta na fogueira independente de investigação a seu respeito. Ela era obrigada a despir-se e algum "santo homem" ia procurar uma marca no seu corpo. Qualquer marca ou mancha encontrada comprovava que ela era bruxa e seria, portanto, queimada numa fogueira. Por outro lado, se nada fosse encontrado no corpo dela era seria queimada viva de qualquer jeito porque por ser bruxa tinha o poder de fazer a tal mancha ou marca imaginária desaparecer. Ou seja: quem quisesse que uma mulher morresse era só denunciá-la como bruxa! Sem motivo!

O estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por mulheres de aparência desagradável ou com alguma deficiência física, idosas, mentalmente perturbadas, mas também por mulheres bonitas que haviam ferido o ego de poderosos ou porque muito bonitas, despertavam desejos homens casados, e não cediam a eles. Eles a difamavam.

Hoje em dia nos Estados Unidos são as crianças e adolescentes quem mais usufruem do Halloween. Com a ajuda dos pais e amigos, vestem fantasias mais ou menos assustadoras e andam de porta em porta na vizinhança a exclamar a célebre frase “doçura ou travessura”. E terminam a noite de 31 de outubro com sacos e cestas recheadas de chocolates, rebuçados e outras guloseimas. Mais ou menos como nossa tradição de distribuir doces no dia de Cosme e Damião (que para alguns são doces oferecidos ao demônio!). E lembrem que no México o dia dos mortos é comemorado com festa e comida!

Ainda há a versão de que foi a primeira festa religiosa, quando Deus ainda era visto como uma deidade feminina.

Ainda hoje determinadas religiões continuam fazendo a ligação entre mulher e pecado/mulher e mal/ mulher e prostituição/ mulher que provoca desejo desenfreado nos homens. Se não corresponde ao que a sociedade patriarcal estipulou, ela é tida como fora do padrão ou safada.

Através da mulher, dizem essas religiões, o pecado entrou no mundo. Mas é muito mais importante lembrar que através de uma mulher foi que Deus Filho tornou-se carne, gente, pessoa, ser humano. Se Lilith e Eva carregam o peso do suposto pecado, Maria carrega a bênção de trazer a Salvação ao mundo. E isso nos basta para compreendermos que mulher e homem são iguais em dignidade, é só responder o que é mais significativo: o pecado ter “entrado” no mundo ou o Filho de Deus ter se encarnado?

BARROS, Maria Nazareth Alvim de. As deusas, as bruxas e a Igreja: séculos de perseguição. Rosa dos Tempos: Rio de Janeiro, 2001

EHRENREICH, Barbara & ENGLISH, Deirdre. Hexen, Hebammen und Krankenschwestern. 11. Auflage. München: Frauenoffensive, 1984

ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. Martins Fontes: Rio de Janeiro, 1949, 5ª. Edição

Texto adaptado por Cátia Cristina, que é missionária da Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho, teóloga, mestra em liturgia, licenciada em pedagogia, em letras e em filosofia.

Cátia Cristina RJ
Enviado por Cátia Cristina RJ em 04/04/2024
Reeditado em 04/04/2024
Código do texto: T8034661
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.