O pombo, o caminho e obviedades

Hoje faz sol. Embora seja uma coisa óbvia, é preciso ser dito. Aliás, por que o óbvio precisa ser dito?

Outro dia, na conveniência de um posto de combustíveis, vi um senhor, claramente não familiarizado com as portas de hoje, tentando abrir aquela porta em cujo vidro ostentava um adesivo gigante, que dizia: "empurre". E o senhor, com vigor, força, puxando a porta... Claro que não iria dar certo.

Aproximei-me, sorrindo, embora tão embaraçado com a cena quanto aquele senhor. Empurrei a porta, e incrivelmente ela se abriu. O senhor ficou impressionado, para além de agradecido, e lhe expliquei uma coisa que, a princípio, também custei a compreender: o modo como são abertas as portas modernas. Isto é, empurrando-as, em vez de puxá-las, como era de costume antigamente.

O que, para mim, hoje é uma obviedade (o modo de abrir aquela porta), para aquele senhor era uma tarefa para especialista.

Ele me explica que a gente vai envelhecendo, e vai mudando a gente, a gente vai mudando, vão mudando as coisas, afinal ficamos quase meio ou totalmente desconhecidos, necessitando que as obviedades sejam ditas.

Daí que, agora, vou eu andando a pé até a padaria. Por este caminho que conheço tão bem, como se parte de mim fosse. Aliás, minto: de mim, nem todas partes conheço. Conheço o básico, a nacionalidade alagoana, o amor ao Palmeiras, o gosto pelo ócio e alguns outros eteceteras. Mas este caminho, conheço, como talvez ele conheça a mim, em que pese a diferença da idade.

Quantos anos deve ter? Será de esquerda, centro-direita ou neoliberal? Como será que ganha a vida? Será que tem direito a repouso remunerado? Contribui com a Previdência Social ou será político? Paga imposto? Essas perguntas, cujas respostas não tão óbvias, me faço, sem a perspectiva de obter explicação. Apenas à maneira de passatempo, como que para encurtar o caminho entre mim, a padaria e este pombo que encontro pelo caminho.

No meio do caminho há este pombo. É um pombo engraçado, porque é um pombo. (Achar todos os pombos engraçados, talvez seja um de meus defeitos.) Parece estar perdido e faminto, este pombo (eu também). Anda devagar, ziguezagueando entre carros e paralelepípedos (eu também). Parece cansado (eu estou). Depara-se com um semáforo PARE, ele avança (eu também). Segue em direção a uma calçada esburacada (eu também). Vence-a (idem). Chega-se às proximidades de bar, aproxima-se, entra... (eu também). Dá uma voltinha entre as mesas vermelhas e plásticas, acha tudo muito sem graça, e sai sem consumir nada (eu também). Finalmente, já na rua, lembra-se de que sabe voar (eu não). Voa para longe, para onde já não posso vê-lo nem muito menos segui-lo.

Voe, voe longe, pombinho, para perto das obviedades e de uma padaria, onde haja migalhas de pão em abundâncias e um sábado ensolarado.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 20/04/2024
Reeditado em 20/04/2024
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