Lições da vida!

Lições da vida!

Há uns dois meses, quando procurava peças para um fogão que ganhei, parei em frente a dois enormes barracões sem identificação mas que denotavam venda de móveis usados. À porta,fiquei por um momento olhando e ,um tanto cauteloso , caminhei por entre a diversa e empoeirada mobília à procura de algum atendente, porém, sem sucesso. Me fiz anunciar num sonoro "Olá" . O silêncio me recepcionou misterioso.

Quando por fim resignado me dirigi à saída , parando para uma última olhada, à minha retaguarda alguém chamou : vinha do outro lado da rua.

- Oi, eu que atendo aqui...

Com a voz característica da idade, o corpo franzino, as marcas do tempo na pele alva enrugada mas com uma vivacidade contagiante expressada no brilho de uns olhos azuis, uma simpática senhora me convidou a entrar.

Com entusiasmo, demonstrando contentamento pela oportunidade de ter com quem conversar, após fecharmos a compra de meu interesse,ela foi discorrendo sobre sua vida e os "mais de quarenta anos estabelecida naquele lugar".

Meu ego , para não deixar de cumprir seu "necessário" papel reprovador, se remexeu inquieto ao olhar sua aparência, vestida com um surrado e simples vestidinho estampado, me fazendo duvidar da provável proprietária à minha frente.

Mais adiante ele teria o que mereceu...rs!

Assim foi que conheci a história daquela vívida e agradável criatura.

- Nunca devemos ter preguiça,meu filho!

Dizendo isso, sentou-se em um sofá e da maneira mais natural possível falava com uma tranquilidade que me cativou, como se eu naquele momento fosse atraído para aquele lugar para ouvir o que precisava ouvir. Hoje tenho certeza disso. Meu coração estava em pedaços.

- Meu filho, eu vivi muitos anos morando num barraco catando coisas da rua! Acordava cedinho e saía pra voltar só a noite.

Eu já andei carregando um sofá desde o Leonor até em casa. Eu muitas vezes fui dormir com fome . Mas eu nunca reclamei,meu filho. Eu falava com Jesus "seu sofrimento foi bem maior do que o meu". No outro dia eu acordava disposta pra trabalhar de novo.

E mais uma vez enfatizou :

- Nunca devemos ter preguiça, meu filho!

A essa altura o brilho em seus olhos se intensificou, seus olhos começaram a marejar, denotando sua emoção. Algo em meu íntimo me sinalizou que estava prestes a ouvir algo surpreendente.

Agora com a voz entrecortada ela prosseguiu :

- Eu continuei minha vida assim por muito tempo até que um dia uma coisa maravilhosa me aconteceu, "o povo de Deus apareceu" !

No meu prático e racional modo de entender,interpretei o "povo de Deus" como um grupo religioso qualquer que fora visitá-la.

Mas ela prosseguiu :

- Uma noite vi uma luz muito grande do lado de fora e derrepente quatro pessoas muito bonitas de branco entraram no meu barraco e começaram a conversar comigo. Um deles falou " nós ouvimos o que você pediu e hoje viemos te trazer...de hoje em diante você não vai mais ter essa vida." Meu filho, eles conversaram comigo com muito amor e falaram que tinha alguém com eles que queria me ver. Olhei pra trás e vi meu marido que faleceu. Ele me disse ; "Fica em paz, está tudo bem" ! No outro dia acordei e vi que foi uma visão.

Com uma sensação forte no peito, nesse momento, vi escorrer daqueles olhos uma lágrima e com os lábios trêmulos , olhando fixamente pra mim , a meiga senhora proferiu o desfecho do seu relato:

- Um mês depois disso eu vim aqui nesse lugar e alguém me avisou que o japonês que era dono disso tudo queria falar comigo. Me chamou e disse " eu já te conheço, vou doar pra senhora esses meus imóveis". Ele viu que eu fiquei meio boba e continuou... "Fica tranquila, eu tenho muitos bens, isso não vai me fazer falta". Então ele fez toda a documentação e pediu pra eu assinar,meu filho. Eu aluguei um barracão e nesse outro eu trouxe uns móveis pra vender e foi crescendo. Hoje todo mundo me conhece aqui. Moro aqui há mais de quarenta anos. Eu não preciso trabalhar mas eu acordo cedo e arrumo tudo,lavo e limpo tudo aqui só eu e meu filho.

E uma vez mais disse com convicção :

- Nunca devemos ter preguiça, meu filho!

Depois de mais uns dedos de prosa, por fim me despedi da agradável companhia dessa senhora. Tocado e pensativo, fui ruminando esse relato que pra minha alma aflita foi um bálsamo e um afago vindo do céu!

Não consigo mais esquecer esse episódio e sempre penso em voltar lá pra conversar mais um pouco com aquele anjo. O Pai tem seus meios incríveis de agir para levantar o ânimo de seus filhos.

Sou grato por ter parado naquele lugar que tantas vezes passei em frente sem nada notar de especial.

Naquele dia o céu me concedeu de ouvir o que precisava e conhecer uma criatura divinamente simples : Dona Adelina e seu belo par de olhos azuis.

Nil Santana