Detalhando uma crise de pânico

"Não sei o que dizer. Mas minha mente sabe o que pensar muito bem. Me atormenta com pensamentos horríveis. 

Ontem de manhã me aborreci com o fato da casa estar muito suja e bagunçada, e rogy não parecer se importar com isso. Mesmo a criança estando com febre e eu com 6 meses de gestação, passando por um quadro de infecção urinária muito provavelmente desencadeado por estresse. Movida pelos hormônios e por uma revolta imediata muito grande eu mandei mensagens para ele falando sobre isso, me queixei, me expressei, fiquei com raiva, talvez falei até coisas nada a ver. Sentia os sintomas de uma crise de ansiedade se aproximando conforme o tempo passava e ele não tinha respondido ainda. Alguns minutos depois ele respondeu, me xingou, disse pra eu não falar com ele um "A", disse que pra eu procurar outros que saibam cuidar melhor de mim do que ele, disse que ele vai largar o emprego pra poder cuidar da casa e eu me viro com as despesas, disse outras coisas ruins movido a raiva também. Nessa altura do campeonato eu ja estava na metade do caminho para a crise vir a tona. Resolvi ir arrumar a casa toda como nunca tinha feito desde alguns meses de gravidez. Pintei as paredes da sala sujas de café ainda, mesmo um mês depois do acidente com o copo de vidro que joguei nele, rasgando nossas mãos e deixando uma cicatriz bem feia. Eu disse pra gente pintar a algum tempo, mas ele pareceu só deixar pra depois, um depois que nunca chega quando se trata dele. Decidi pintar tudo. Minha costas doíam,  meus pés inchavam, minha barriga contraía e ficava dura de dor, o bebê se mexia alucinadamente dentro de mim. A criança ficou sem almoço,  devido a minha obsessão em deixar tudo limpo, em tentar organizar o lado de fora, ja que o lado de dentro se tornou um caos incontrolável.  Dei a ela frutas e suco. Quase não dei atenção que ela precisava. Pintei todas as quatro paredes,  me senti satisfeita.  Mas não tanto. Depois limpei toda a sala, a cozinha inteira, os cantinhos, as superfícies, tirei o lixo, limpei banheiro, botei roupa pra lavar e estendi no varal, ignorando as roupas de rogy dentro da máquina ja a alguns dias, la deixei. Arrumei meu quarto, dobrei as roupas emboladas, tirei lixo, tirei tábuas de madeira inúteis do chão,  abaixei, levantei, varri, catei lixo com a pá,  senti dor, senti arder a uretra, senti contrações estranhas, senti tontura, mas não parei. A criança cansou de esperar por mim pra lhe fazer companhia, ficou brincando no quarto, fez uma bagunça fora do normal no quarto dela, depois dormiu exausta, ainda meio mal da gastroenterite, com moleza no corpo. Ainda assim não parei, decidi fazer uma comida, eu também não me alimentei o dia inteiro. Fiz o que tinha na geladeira, abóbora, berinjela, aipim, arroz e feijão. Cortei cebola, descasquei alho, fervi, refoguei, lavei o que sujei. Quando tudo ficou pronto senti a ansiedade e sua crise quase do meu lado, de zero a dez daria 7. Nessa altura do dia ja estava perto da hora se rogy chegar, ja tinha escurecido e eu nem percebi, passei o dia todo dentro da minha paranóia com a limpeza e organização, tentando afastar de mim pensamentos ruins. Mas conforme foi dando a hora dele chegar, mais nervosa e ansiosa eu fui ficando. Chamei a criança pra comer comigo. Tomei um banho e ficamos deitadas juntas. Até que alguns minutos depois ele chegou. Chegou bem mais tarde do que o costume, três horas depois do horário que sempre chega. Minha mente ja tinha pensado em mil cenários de traições possíveis, virtuais e físicas,  isso me causou náuseas ao ouvir a porta se abrindo quando ele entrou. Meu coração disparou e o 7 virou 8. Respiração começou a ficar mais rápida,  a boca mais seca, tentei me distrair com a criança,  conversando coisas aleatórias com ela. Ele entrou, tomou banho, ficou algum tempo sozinho no celular. A criança dormiu de novo. Fiquei vendo alguns vídeos sobre psicologia. Ele vencido pela curiosidade de saber o que fazia no celular veio ver o que eu tava vendo, chegou perto do meu rosto alguns poucos centímetros e ficou encarando a tela do meu celular,  debochou, foi irônico,  foi cruel. Logo em seguida puxou o celular da minha mão e se afastou pra poder olhar , mexer, investigar. De 8 foi pra 9. A crise ja dava seus sinais que estava ali, pronta pra se soltar, pronta pra sair. Não consegui resistir ao impulso de ir atrás e pegar meu celular de volta,  ao invés disso peguei o dele, mas minhas mãos tremiam, minha barriga estava contraída,  eu sentia que ia desmaiar se fizesse muito esforço, ele tentou ferozmente pegar o celular dele de volta da minha mão, veio pra cima de mim tentando puxar ele, e não soltava o meu. Dizia que iria descobrir alguma coisa que eu tinha feito, também achando que eu o estava traindo, eu não me incomodei com isso, não tenho nada a esconder, a minha raiva foi ter que passar por isso ainda, por essa violação,  me sujeitar a isso, dar a ele meu celular todos os dias para me vigiar, pra conferir no Fim do dia tudo que eu fiz, como se eu fosse uma propriedade privada dele, como se eu fosse sua prisioneira, como se eu nao tivesse mais identidade,  como se minha vida fosse dele e ele tivesse total controle e dominio sobre mim e eu nao pudesse fazer nada a respeito.  Como se eu tivesse vendido minha alma e meu corpo a ele. Ele tem posse, ele tem direito, ele vai fazer o que quiser comigo. Nessa altura dos fatos a criança ja tinha acordado e observava tudo deitada na cama. Por nao querer expor ela a uma cena mais caótica eu deixei pra lá e deitei, ele me entregou meu celular. Ao me deitar os pensamentos ruins me dominaram, eu estava sem forças. O 9 virou 10 e a crise chegou, a princípio ela chegou devagar, so dominando minha mente, me dizendo que ele nunca mais vai me amar, se algum dia amou, que acabou nosso relacionamento e qualquer chance de nos darmos bem, que sou uma péssima mãe por expor minha filha a isso, que eu vou perder o bebê a qualquer momento e que talvez isso seja uma coisa boa, afinal nao dou conta de uma, nem de mim, nem do resto, o que seria dessa criança que nem nasceu e ja sofre em meu ventre? Pensei em me jogar na frente dos carros no dia seguinte quando saisse na rua, pensei em pegar a faca na pia da cozinha e enfiar na minha garganta,  pensei em como minha mãe não faz ideia do que eu tenho passado, pensei na vergonha em contar pra ela, e que ela me olharia com aquele olhar de "eu te avisei", senti nojo de mim, me senti sozinha. Enquanto isso rogy ia e vinha, fazendo acusações. Até aí a crise estava controlada dentro de mim. Foi então que peguei no sono de exaustão, o dia foi extremamente cansativo. Mas não foi um sono tranquilo, eu sentia dores, o bebê mexia muito, eu resmungava dormindo, tive pesadelo. Ate que senti rogy deitando do meu lado e tentando me abraçar.  A crise explodiu. Veio pra fora, comecei a respirar sem ar, tremer, náuseas, tontura, frio, boca seca, nao consegui falar, so pensava que ia morrer e o bebe também.  Ele nao soube o que fazer, ficou nervoso, gritou, bateu cabeça na parede,  pegou meu telefone,  ligou pra minha mãe e ela não atendeu, era de madrugada. A criança acordou assustada,  me viu naquele estado e chorou, me olhou com medo, eu ouvi ela dizendo pra ele que a mamãe estava tendo uma crise,  ela saiu do quarto,  disse que ia fazer uma oração pra mim. Eu não consiguia ficar sozinha com ele naquele momento,  segurei a mão dela e ela entendeu que era pra ficar do meu lado comigo. Ele tentava falar coisas pra eu me alcamar, quanto mais ele falava ou me tocava, mais nervosa eu ficava, mais falta de ar sentia. Então eu olhei pra criança e seu olhar de alerta despertou o instinto de mãe em mim no meio da crise, la no fundo do meu ser alguma pequena força tentou me puxar, eu continuei olhando pra minha filha, vendo se a força ficava maior pra eu conseguir interromper a crise. Eu chorava, eu lutava pra respirar. Ela me fazia carinho. Ele surtava, falando sem parar pra eu respirar, e ficar calma, e se perguntava o que ele ia fazer,  e botava a mão na minha barriga dizendo que o bebe se mexia muito, que eu nao podia me estressar. Em quase 20 minutos de crise eu senti minha respiração voltando aos poucos, a criança me abraçava e dizia que me amava, eu chorei mais. Até que enfim consegui. Mas o pós crise é tão ruim quanto a crise. Não conseguia falar, não queria pensar, só existia, sem forças.  Quase sem vida, apenas respirando. Depois de muito tempo consegui dormir de novo. Rogy ainda não tinha desistido do meu celular, vi ele pegando e mexendo ainda, logo apos minha crise. Dormi. Ao acordar, antes das 7h, rogy ja estava acordado,  e com o celular na mão,  digitando como se tivesse conversando com alguém.  Minha mente mal teve tempo de acordar, nem processar o que aconteceu na madrugada,  ja senti outra crise se aproximando. Com quem ele estava falando tão cedo? Depois disso ele pegou o meu celular e ficou mexendo, me fez perguntas, com quem eu falava, que ele ia descobrir, ficou com raiva e jogou o celular na cama, próximo ao meu rosto,  levantou e saiu do quarto violentamente, esbarrando na porta. Disse que eu dei sorte dessa vez. Mas que ele iria descobrir. Chorei mais uma vez logo cedo, recem saída de uma crise de ansiedade. Ele não deveria perguntar se eu estava bem? Se preocupar comigo ou com o bebe? Enquanto mexia no meu celular eu permaneci imóvel.

Não conseguia acreditar que após uma crise de pânico a única coisa importante naquele momento era tentar achar alguma coisa contra mim, alguma traição, alguma tragédia. A crueldade. A falta de muitas coisas, principalmente sensibilidade.

Me senti sendo estuprada.

Imobilizada.

Traumatizada.

Senti como se ele estivesse abusando do meu corpo, da minha alma, e nada que eu fizesse impediria isso, ele não iria parar até se sentir satisfeito, até achar alguma coisa pra saciar sua paranóia, em que eu o estou enganando. Por fim o celular desligou sem bateria, e ele saiu do quarto falando que eu dei sorte.

Foi como se ele tivesse saindo de dentro de mim e o estupro tivesse chegado ao fim...

Por enquanto... ele ainda vai voltar pra mais...

Tentando não imendar uma crise na outra. É estranho o jeito que meu corpo e minha mente ficam quando acabam. Parece que estou perdida, sem saber o que é real e o que não é. Uma falta de equilíbrio. E toda vez que ele me toca ou se excita ao me tocar eu me sinto traída. Como se o toque físico me fizesse mal, como se eu estivesse traindo meu corpo não permitindo que ele tenha o tempo dele de recuperação pós crise. Algo como uma violação.

Senti que seria perigoso ele continuar aqui perto de mim, e os minutos antes dele sair para o trabalho foram infinitos, nao consegui relaxar enquanto ele não saiu e foi embora. E eu fiquei triste por desejar que ele fosse logo pra longe de mim. Era pra ele ser a pessoa que me deixa em segurança,  não quem provoca minhas crises. O alívio e a paz que me vieram quando ele saiu porta a fora, foram tipo agua no deserto. Agora mais um dia começou,  e a espera de rogy chegar sinto a ansiedade de zero a dez, virando um 5. Espero que eu fique bem. 

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emillybuscaroli :)

emillybuscaroli
Enviado por emillybuscaroli em 28/04/2024
Reeditado em 29/04/2024
Código do texto: T8052078
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