A tribo das "premiadas"

                   Eu olhava as imagens nas revistas daquele tempo (1968) e ficava fascinada com as mulheres famosas. Ficava horas pensando e sonhando como deveria ser bom ter um homem apaixonado e que enviava pétalas de rosas, milhões delas, jogando-as de helicóptero sobre a casa da amada. Brigite Bardoux era a felizarda. Ah!... que sorte a dela!! E olhava, fascinada, as imagens nas revistas. E outra premiada, linda e exuberante, Grace Kelly, detinha a imagem mais fantástica, do ápice dos sonhos de qualquer garota, cuja vida nababesca as manchetes estampavam na capa. Num casamento luxuoso, Grace fora a escolhida pelo príncipe de Mônaco. Ah!... quem dera!... eu sonhava.

          Muitos anos depois, quando Brigite Bardoux decidiu falar da separação, o mundo viu o castelo de areia ruir e todos souberam da estratégia do tal marido: ele a exibia como um troféu, não se importando com os sentimentos dela e traindo-a seguidamente. Assim relataram as revistas de fofocas. A veracidade não importava. A gente queria mesmo era o frisson, o agito e a sofisticação. E tampouco foi eterna a vida de princesa de Grace Kelly, que teve de abdicar dos seus planos e da vida de atriz para ser a esposa perfeita. Esta teve um fim trágico, com a morte súbita num acidente de carro em Mônaco. Um trauma gigante para a filha que dirigia o automóvel e para tristeza dos seus súditos.

          Na minha enorme solidão, do tamanho do mundo, olhar a vida das atrizes era natural. Eu tinha que limpar a casa, ajudar a mãe a cuidar dos sete irmãos depois de mim e... parava tudo pra sentar e sonhar. Adolescente, sem ter para onde correr e chorar, só me restavam os sonhos. Por razões que a ninguém importa, meu pai me tinha escolhido para ser a intelectual da família. As pessoas na rua me apontavam o dedo e diziam: “essa aí é a queridinha do papai”. E me insultavam. O tal do bullying me atingia diariamente, desde os dez anos de idade; teve os que me passaram a mão na bunda, outros diziam coisas grosseiras no meu ouvido sem que eu tivesse dado permissão sequer pra chegar perto. Era uma violência psicológica diária no ônibus, no ponto do ônibus, no trajeto até a escola de ida e volta, em qualquer lugar. No colégio de gente muito rica eu era o patinho feio. Ninguém precisava da minha amizade. E quando alguma coisa sumia na sala, por acaso, logo me colocavam na parede achando que por ser pobre eu seria capaz de subtrair os pertences daquelas pessoas ricas.

          Esse “prêmio” me custou caro demais, o ônus de ser privilegiada me enlouquecia. Todos os dias os olhares eram de reprovação. Em todos os lugares, me apontavam como a “queridinha” que fora premiada pelos pais, enquanto as irmãs mais velhas tinham que trabalhar na fábrica desde os 14 anos. Eu teria que trabalhar também nalguma empresa quando fizesse 15 anos. Cresci assim, as próprias irmãs me sabotando, com a justificativa de que elas não foram premiadas. Eu só sabia de solidão, então lia livros, buscava-os na biblioteca da cidade, e estudava. Oh! Deus... quanto desejei fugir, como queria me ver livre daquela opressão sufocante. Longos anos se passaram. Décadas. Porém, as imagens de uma garota franzina e ingênua andando sozinha tentando achar um olhar que me aceitasse e amasse se perpetuaram.

          Eu buscava um pertencimento, uma tribo que me aceitasse. A suavidade não saiu de mim e a generosidade é a minha essência. Levei muito tempo em terapias e busca de equilíbrio, em aulas de yoga e autodomínio. Venci.

 

 

                                             Izabella Pavesi

                                                  imagem: arquivo pessoal

 

P.S.: esta crônica foi uma das vencedoras no Concurso TRIBO & TRIBU da Ass. Intl Mandala - A.C.I.M.A. de Milão -It. de 2024 e recebeu o 3º lugar - Prosa; a Coletânia foi lançada no Salão do Livro de Turim 2024, no Stand ACIMA - Milão.It.