Viva o velho!

Eu não queria falar do ano que se foi, com seus infinitos problemas, nem do que começa, continuação dos mesmos problemas, multiplicados, acumulados, quem sabe. Mas eis-me falando. É que me lembrei dos velhos, dos soberbos, dos valorosos velhos que nos dão uma inestimável lição de vida. Como tratar de temas otimistas? Lembrando aqueles que têm todos os motivos do mundo para ser otimistas, e nos ensinam otimismo com a maior bonomia da história. É preciso falar da história, esse coração de mãe em que caberemos todos nós. Eu já fui um pessimista profissional, os velhos que a história guarda no coração me ensinaram o otimismo.

Vou lembrar um ou outro modelo. Por exemplo, Oscar Niemayer – umas palavras só, não é intenção aqui escrever um ensaio. O velho Oscar está destilando otimismo por todos os poros, feliz da vida grandiosa que viveu e da que tem ainda por viver. Diz que nunca trabalhou tanto, e está cheio de vontade de trabalhar mais e mais, com projetos e mais projetos para realizar. Outro dia morreu um engenheiro com 102 anos de idade, outro grande realizador, que brincou na hora de cantarem os parabéns pelos seus 100 anos: “Não cantem Muitos Anos de Vida”. Oscar, o poeta da forma, das linhas suaves, que pairam no ar como se voassem, como aves, Oscar não brincaria assim, não, por certo insistiria: “Que venham Muitos Anos de Vida!”, tão cheio de projetos está por realizar.

Em Portugal, Manoel de Oliveira brinca dizendo que seus planos para 2008 são completar 100 anos de vida, brinca apenas: os seus projetos de filmes e mais filmes se acumulam, está todo entusiasmado com a vida que tem para viver, plenamente, realizando muitos filmes. Nunca filmou tanto, obras primas e mais obras primas. Lembra-me seu conterrâneo António Lobo Antunes, este bem mais moço, mas que teve um câncer no intestino, mortal, mas, tratado, o que quer é tempo: tem muitos romances para escrever. Pede a Deus, em quem ele não tem muita fé, mas agora precisa dele, que lhe dê tempo. A criação não pode parar, tem muita coisa para dizer, muitas imagens, muitas personagens e histórias para dar forma – é preciso mais tempo, pelo amor de Deus!

O tempo é uma convenção, uma mera abstração, mas como nos faz falta! Houvesse um mecanismo que parasse o tempo, que nos desse – o quê? – justamente tempo para realizar, inventar, criar. Como parar o relógio do universo? Mas não, não queremos parar, queremos mais ação, que o relógio ande mais e que andemos com ele, que não estacionemos, que tenhamos tempo de realizar todas as obras que temos para realizar. Que nós andemos com o relógio do universo, dinâmicos, cada vez com mais energia, sentindo a alegria enorme de viver, criando como criadores que podemos ser, não como deuses, mas como homens a quem Deus deu a capacidade de criar.

Dona Canô comemorou 100 anos de idade cantando feliz com os filhos Caetano e Bethânia. A juventude anda morrendo por aí, abúlica, sem disposição para nada, mas a Dona Canô do alto dos seus 100 anos canta a alegria de viver. Perguntem à desbocada da Dercy Gonçalves – outra centenária – se ela tem vontade de morrer! Vai lhes responder com um palavrão. “Morrer é a...!” Certamente morrer é para os fracos. Todos morreremos, mas quando chegar a hora. Não por desistirmos, por falta de vontade de viver. O grande poeta brasileiro Manoel de Barros não foi tão poeta, tão criador de imagens que subvertem a realidade, que a tornam encantada, com trinta ou quarenta anos de idade quanto que hoje com 91. A vida não pára, não pode parar, senão para os pusilânimes, os fracos de corpo e espírito. Feliz Ano Novo para os vencedores, para todos os homens que não se entregam, que nunca serão derrotados!