Memória dos meus Carnavais

Já é carnaval cidade

acorda pra vê(bis)

a chuva passou cidade

e o sol vem aê (bis)

(Lambada da Delícia, Gerônimo)

Para mim a palavra “carnaval” só fazia sentido na folhinha. Sabia apenas que era feriado. Aos 12 anos, numa tarde de cidade do interior, vi umas pessoas fantasiadas. Gostei do colorido das roupas, da música e do jeito de dançar. Mas o universo dos meus pais não comportava essa novidade da vida na cidade. E fiquei longe da “tentação” por muito tempo.

Tomei gosto por ler histórias de carnaval embora não tivesse coragem de “descer à calçada” e me esbaldar na rua. Convivia com o preconceito da idéia do descontrole, das paixões desenfreadas, que a nossa moral cristã abominava. Li várias histórias sobre o assunto, até que um dia passei a protagonizar as minhas próprias histórias de carnaval. Durante o período na Universidade, vi festa em clube, ensaio de escola de samba, concurso de fantasia e bloco de frevo. Nunca consegui me envolver completamente. Estava sempre na defensiva com relação a “perder o controle”.

Porém, a sensação de estar definitivamente “brincando” um carnaval foi como uma estréia: 1987. Salvador. E eu dançando de rosto colado na Praça Castro Alves: “deixa eu mergulhar na tua onda, deixa eu me deitar na tua praia...” brega? Nada na voz de Moraes Moreira e pra quem está apaixonado é brega.

E o impacto de ver o Ilê Ayê?.. “Não me pegue não me toque / por favor não me provoque...” paixão fulminante e definitiva. Aliás, os blocos afros despertam-me emoções únicas. A música, as roupas e os adereços, são as minhas paixões do carnaval de Salvador.

Foram alguns anos assim. Descobertas, surpresas. As novidades me encantavam. Vi os primeiros blocos surgirem na Barra “desafogando” a Avenida. Depois tudo ficou muito igual, pasteurizado. Fiquei por alguns anos ausente da folia e não me fez falta.

Minha segunda fase carnavalesca começa no ano 2000. Vinícius, meu filho com 03 anos e indo conosco pra folia. Meu carnaval passa a ser em torno do Palácio da Cidade, entre bandinhas, palhaços, bonecos gigantes, confete, serpentina e spray de espuma.

A partir de então o Pelourinho, os palcos fixos e arquibancada do Campo Grande são os locais mais seguros pra ver a folia. E como era ele quem decidia meu programa, cheguei até a passar uma tarde de terça-feira de carnaval brincando em parquinho e “pescando” no Dique. Enquanto isso, a Avenida Sete e a Barra explodiam com o “axé music” e ficar de fora era até um alívio.

A próxima fase foi a de não querer ir, ficar de fora, fugir da folia. Vinícius crescendo, se revelando um não-folião e eu cansada da mesmice. Ficar na praia, ir ao cinema, ler, ouvir muita MPB passou a ser minha Avenida. E Tom, meu companheiro, reviveu seus dias de “solteiro em Salvador,” embora parentes e amigos jurem que a baiana seja eu, que os orixás são meus fãs e que meus ebós são do balacobaco. Não tive do que me queixar...

Nos últimos anos, as prévias do carnaval de Maceió me reconciliaram com a folia. Tenho gostado muito de vestir fantasia, desfilar em bloco, ir a bailes de máscaras, "brincar" na rua. Na verdade, passei a conhecer um carnaval que fazia parte de uma época que não vivi. Sinto-me num grande teatro ao ar livre, vestindo personagens. Fico feliz em perceber como tudo isso mexe com nossas fantasias, com nossa libido. Compreendo, finalmente, o que significa de verdade a expressão “ descer a calçada”, deixando de ser expectadora da festa e vivendo plenamente aquele momento. Anos atrás havia escrito um poema sobre esse sentimento.

De certo modo, viver tudo isso me reconciliou também com o carnaval como festa popular e, principalmente, com o carnaval de Salvador. Portanto, vinte anos após minha “estréia”, olha eu encantada com o Samba no Campo Grande, com a alegria colorida das troças do Pelourinho, com a canastrice e irreverência do “Mudança do Garcia”, com a exuberância dos blocos afros e afoxés.

Fiquei muito feliz em reencontrar amigos e parentes, caminhar pela cidade olhando-a como a grande personagem do carnaval. Entretanto, apesar da alegria do reencontro, não pude deixar de me entristecer com a face perversa da festa, do grotesco espetáculo de família inteiras dormindo nas calçadas, trabalhando como ambulantes, inclusive com crianças de colo entre elas. Não pude deixar de me indignar com as notícias de violência, com a procissão de cordeiros na hora do minguado lanche e da lembrança de “navio negreiro” no balançar das cordas dos blocos. Nem de me irritar com o culto exagerado a “celebridades”, algumas sem nenhuma expressão.

Enfim, são as contradições dos carnavais do carnaval de Salvador. Estou feliz com minha “reestréia” e não faço a mínima idéia do quanto irá durar esta “lua - de- mel”. Em mim, sempre a sensação de que cada um vive a folia e até as quartas-feiras de cinzas com a cor e o sabor que sua experiência permite.

Que os deuses nos protejam e nos ajudem com as contas da farra!

Maceió, março de 2007

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Maceió, janeiro de 2008, olha eu aqui me preparando para mais um!

Prévias de Maceió e Folia de Salvador, Aguardem!!!!