Simples assim...

Em terras pequenas como esta de onde escrevo, no coração ainda se guarda as lembranças, de quando o chão lamacento molhado pelas chuvas vespertinas do verão, fazia ganir mais alto o lento girar do carro de boi.

E onde a voz trepidante da goteira a respingar sonora em um velho balde, fazia pesada as pálpebras e cálido o coração, nos convidando a um doce sono...

Nesse tempo, evocado pelo trovão distante da chuva que vejo armar ao leste, as horas eram lentas, descompromissadas e se envelhecia vagarosamente, sem pressas e afobamentos, o tic-tac quase imperceptível do relógio a corda, não marcava nada senão a sagrada hora do ângelus.

Foi num desses verões distantes que nasci, e nesse mundo mágico me criei, despreocupado com o futuro, com as guerras ou com o mundo, acreditando ser imortal.

O meu próprio mundo, começava no brejo de taboas e copos-de-leite ao fundo da casa, e não passava da velha porteira ranzinza, carcomida pelos anos que reclamava aguda, quando forçosamente lhe abriam contra a vontade.

E na umidade dos verões que se seguiram, secava e me aquecia a rabeira do fogão, onde a lenha seca irradiava um calor mágico e uma luminosidade alegre que hoje só se vêm no abraço tenro de um casal enamorado, ou no olhar vívido de uma criança inocente.

Ainda mais aconchegante, era o calor do velho fogão, quando as chuvas se iam e um inverno ardido limpava o céu, descortinando um luminoso espetáculo de estrelas que estrelas, que soberbas disputavam entre si, qual delas inspirava mais canções e amores, até que soberana se levantava a lua, e a viola nas mãos calejadas de meu velho pai,ressoava ainda mais melancólica, canções de um tempo que não vivi.

E a saudade que enche meu peito e me mareja os olhos, me pergunta; “Em que momento se extinguiu a fluidez do tempo e a simplicidade da vida? Quando foi que tudo se tornou tão urgente, tão implacável, rígido e frio?”.

Buscamos tão intensamente abarrotar nosso ego com conquistas sucessivas e acúmulos perecíveis, ou já apodrecidos, que deixamos de conhecer a beleza que nos rodeia, deixamos de nos conhecer, trocando nossa alma por poderes ilusórios e necessidades criadas.

Não se vê mais a chuva, não se nota mais o vento, já que a beleza de instantes tão ricamente simples, de tal modo esquecida é invisível senão daqui desse pequeno lugar.