Acho que não sou daqui (mas vivo algemado dentro de mim)

Acho que não sou daqui, mas vivo algemado dentro de mim...

Pedindo atenção as pedras da rua que sustentam meu passo, esperando um bom dia das paredes cheias de cicatrizes, sussurrando no ouvido do vento os dilemas de temas de uma cena imutável, observando o teto com seus olhos vidrados no chão.

Mas tento seguir para ver se consigo sair, pelo menos de mim mesmo. Deixar de lado os pertences já herdados no ventre. A cama macia, o prato esmaltado, a velha roupa colorida, as virgens que cultuam o dia ensolarado, as prostitutas que deslizam pela noite nebulosa, minhas meias rasgadas, as teclas do micro, o carinho da mãe, o apelo dos amigos. O voto inútil, o magnetismo do cartão bancário que te suga como um imã para as maquininhas de vorazes algarismos, as bolsas cheias de muambas, as parafernalhas moldadas nas fornalhas de um sistema sem eira nem beira.

Vamos andar sem destino, percorrer o horizonte, fazer calos nos pés e deixa-los noduosos, sujar as mãos de terra preta, alimentar-se do destino sentado na mesa do tempo, transcender como a luz que ilumina seu rosto amassado na manhã fria, gritar para os que ainda tem ouvidos comer o pão dormido dos mendigos, dormir no relento e ver a luz das estrelas encravadas naquele céu que dizem que tem um só dono. Encontrar novas almas que sintam o que sinto, lavar o rosto em nascentes para clarear as idéias mortas, surgir de repente num repente sem arrepender-me no dia seguinte. Olhar fundo nos olhos deles e chama-los de indiferentes, sacudir a poeira dos restos que ficaram e lembrar que o que deixei nunca me pertenceu, são deles também. Percorrer desvendáveis caminhos, ser alternativo sem alternativas, dormir dentro do vagão cheio de carvão, dividir o que não é meu com as “traias” que encontrarmos pela vasta imensidão. Saudar os amigos que surgiram da abnegação de seus pertences.

Acho que não sou daqui... Mas vivo amordaçado dentro de mim...

Um mudo que exala voz, um surdo que escuta incessantes reclamações, um revoltado, rebelde como os dizem. E o que seria o oposto disso?

Ainda chego pelo ar, terra ou mar na ânsia de ressuscitar sem ter “morrido” ainda. Mas ainda estou aqui vendo nossas sobras entranhando dentro do abdômen do solo, e tentando respirar suicidamente.

Se um dia me encontrar por ai olhando para o além, lembre-se que além de mim existem eles, com seus olhos esbugalhados querendo mais do que podem ter. Se souberes de um outro mundo onde caiba meu paletó negro desbotado e minhas mãos algemadas, me avisem. Acho que não sou daqui....

Rommyr Fonttoura
Enviado por Rommyr Fonttoura em 22/01/2008
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