São Paulo 454 anos - Amor forçado

Dos meus 54 anos, 23 vivo nesta cidade. Não foi fácil, não é fácil viver em São Paulo. Hoje me considero paulistano por opção, mas poderia, com razão, dizer que sou paulistano forçado. Desde que me entendi de gente a cidade que queria conhecer, morar, casar e viver era Brasília. Era os anos 60, fundação da capital federal, muito se falavam sobre ela. São Paulo não constava em minha lista de prioridades, não sei explicar, mas não sentia a menor vontade em vir para este lado do Brasil.

Passaram-se os anos, meu irmão mais velho veio para vender livros no interior do Estado, foram alguns meses, voltou para casa, na Paraíba, ele falava maravilhas do Estado. Falava e repetia dizendo que São Paulo é um país dentro do Brasil. Convidou-me muitas e muitas vezes para vir ver. Eu não estava nem um pouco interessado. Depois de muita insistência vim uma féria escolar de fim de ano. Gostei, daí em diante voltava para casa dos meus pais somente para visitar a família, de seis em seis meses.

Gostei de tudo, da fartura, das pessoas, dos prédios gigantescos, da cara da cidade, do espírito de trabalho do seu povo. Comparando com o nordestino, o paulistano me pareceu muito sério, taciturno, cuja preocupação principal era trabalhar, juntar um dinheirinho e mudar de estilo de vida, crescer e crescer. A princípio não gostei da cor preferida do paulistano, cinza, cores neutras. A cidade rescendia a sobriedade.

Sou paraibano de nascimento, cearense de criação. Em tudo, o nordeste contrasta gritantemente com São Paulo. Os anos iniciais de adaptação foram terríveis, entrei em depressão. Frio intenso, às vezes batia uma vontade de não sair debaixo dos cobertores. Poucas amizades. Fui acostumando na marra. Vim para estudar, cursava Teologia no seminário da Igreja Adventista próximo ao bairro de Santo Amaro. Trabalhava somente nas férias de meio e de fim de ano, quando saía para vender livros, no interior do Estado.

Nestas andanças fui me apaixonando por este povo trabalhador e hospitaleiro. No interior do Estado era e continua sendo comum ver moças e rapazes de ótima aparência vestidos e cobertos dos pés à cabeça trabalharem nas colheitas de laranja, cana-de-açúcar, café e outros produtos. A vaidade aqui está ligada a trabalhar, ganhar dinheiro, independer-se, cuidar de sua vida, não exclusivamente da aparência pessoal. Nos sábados e domingos, nas praças, ponto de encontro nas cidadezinhas interiorana, contemplava o desfile, em trajes passeio, desses jovens trabalhadores e simpáticos. Aos poucos fui entendendo o porque este Estado era conhecido como a locomotiva do Brasil.

Falar de São Paulo, capital e do interior do Estado, parece ser um a extensão do outro. Não há como deixar de reparar as semelhanças e a simbiose que existe entre interior e capital, um depende do outro. Quando aqui cheguei, há 23 anos, a capital respirava indústria, hoje, enquanto o seu parque industrial interiorizou, a capital renasce como centro de serviços.

Nos ano 70, quando cursava o segundo grau no Colégio Alfredo Dantas, um dos melhores de minha cidade, Campina Grande, descobri o lema da cidade de São Paulo, que é: Non dvcor, dvco. Vivíamos, no Brasil, em plena ditadura militar. Numa das provas do colégio escrevi no rodapé da prova o lema: Non dvcor, dvco. No dia seguinte fui chamado à diretoria da escola, queriam que explicasse o significava daquela frase. Olhei com admiração a ansiedade no rosto da diretora, depois, calmamente disse:

---- Ora professora, este é o lema da cidade de São Paulo, está estampado em seu brasão e significa “Não sou conduzido, conduzo”

Desde aquela época, modestamente, tomei para mim este lema. Seguindo o curso natural da minha vida, apaixonei-me por uma paulistana, casei-me em 1989, temos um filho. Observando nele as origens de minha família e da minha esposa, vejo-o uma representação do mapa mundi, que torna-se um pequeno retrato desta cidade, que abriu suas portas e coração para abrigar todas as etnias e religiões e, para me abrigar também. Meu filho é tataraneto de alemãs, espanhóis e italianos, por parte de mãe, por meu lado, há mistura de portugueses, índios, negro, holandês e judeu. Todos os continentes numa só pessoa. Qual cidade brasileira tem tanta representatividade de nações como em São Paulo?

Ia-me esquecendo. No ano que São Paulo completa 454 anos, eu completo 54 anos de existência, dos quais 23 vividos aqui.

Nesta data deixo aqui minha recordação e meus agradecimentos a esta cidade que me acolheu, que me abraçou, que me ensinou, na marra, a amá-la, como se fosse minha cidade natal.

Parabéns São Paulo, pelos seus 454 anos!