Ah... O Amor...

Havia dois irmãos (gêmeos idênticos). Um totalmente desinibido, “se achava”... O outro, completamente tímido, retraído... No colégio, o desinibido vivia rodeado de meninas. Na adolescência, era apaixonado por uma delas (a mais popular) e sempre estava às voltas com algum tipo de novidade para agradar a amada. Conversava com ela, convidava pra sair... A garota sorria, dizia que sim... Parecia corresponder às brincadeiras e, até, aos sentimentos do garoto. O irmão deste (o tímido), de longe, sozinho, só observava a desenvoltura e a capacidade de envolvimento que seu “idêntico” possuía...

Até que um dia, o tímido ouviu a garota e suas amigas rindo, falando sarcasticamente a respeito das investidas daquele garoto ridículo...

O tímido não acreditava no que acabara de ouvir... e olhava o irmão, que nem bem havia virado as costas... todo saltitante e sorridente...

Então, o irmão não era admirado? Então, as meninas riam “dele” e não “para” ele? Então... então... E o amor que o irmão sentia por aquela garota? E os planos que ele fazia?... Não, isso não era justo. Precisava lhe contar!!

Não, ele não teve coragem. Diante de tanta euforia do irmão, o tímido se calou.

E guardou o segredo pela vida afora.

Os dois viraram adultos. O desinibido cada vez mais desinibido, confiante, cheio de namoradas, apesar de (ainda) apaixonado por aquela garota do colégio. O tímido, cada vez mais retraído, com uma dificuldade enorme de se relacionar com as pessoas, especialmente com as mulheres. Sua profissão? Roteirista. A profissão de seu irmão gêmeo? Roteirista...

Bom, e aqui eu poderia continuar a contar essa história que não é de minha autoria... Na verdade, essa é a história de um filme que assisti já há um tempinho, chamado Adaptação. (O ator que faz o papel dos irmãos gêmeos é Nicolas Cage. Perfeito!)

Ou então eu poderia falar sobre a obra que um (o tímido) tenta adaptar (cuja autora – esqueci-me do nome – é interpretada pela Meryl Streep. Também maravilhosa!) e das loucuras do outro também às voltas com roteirização, mulheres, festas, “encheção de saco”...

E poderia falar até das citações durante o filme ou do papel do roteirista, das dificuldades em se adaptar um livro e tal...

Mas não é sobre nada disso que quero falar.

Sabe o segredo que o tímido guardou por tantos anos? Pois é... no momento da morte do irmão (é.. o desinibido morre no final e eu nem estou preocupada se quem está lendo isso aqui gostou de saber ou não, mesmo porque a história do filme não é sobre isso, nem a intenção de meus escritos)... Bom, no momento em que o irmão está agonizando, o outro resolve contar a história da menina que ridicularizava as declarações de amor dele, os convites, os papos, assim que ele virava as costas...

Mas, para sua surpresa, o desinibido diz que sempre soube que era ridicularizado. Ele sabia que ela não o amava. E o outro, então pergunta: mas se você sempre soube, por que continuou a fazer as declarações e carregou esse amor pela vida toda?

E o outro respondeu: porque o amor que eu sentia era meu, estava em mim, e isso nem ela poderia me tirar...

Bom... eu me lembrei disso agora nem sei por que, nem pra quê. Simplesmente me lembrei e vim registrar. Talvez porque, recentemente, eu tenha visto o filme “O amor nos tempos do cólera”, baseado no livro de Gabriel Garcia... Eu já havia lido o livro... Mas acho que na tela essa coisa do “amar o amor” ficou mais nítida, pelo menos pra mim. Um homem que passa mais de 50 anos apaixonado pela mesma mulher e espera por ela a vida inteira, mesmo sendo rejeitado, mesmo que ela se case com outro, mesmo que ela tenha filhos com outro... Mesmo que todas as evidências apontem para um final nada feliz (e um final quase literal, já que ambos estavam bem velhinhos quando se reencontraram)...

Assim como na fala final do personagem do filme Adaptação, o personagem de Amor nos tempos do Cólera, amou o amor. Simplesmente.

O amor era dele, e ninguém pôde tirar... nem a mulher, nem as outras pessoas, nem os acasos, e nem o tempo.

Amar o amor. Acho que isso define a vida.

(Adriana Luz - em 10 de janeiro de 2008)

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Adriana Luz
Enviado por Adriana Luz em 30/01/2008
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