JAYME FYGURA

Jayme Fygura

Quem anda pelo bairro do Pelourinho e depara-se com a presença de Jayme Figura, por certo leva, de cara, um susto.

Repentinamente surge á sua frente um homem negro de mais de 1,80 m, vestido tal e qual um cavaleiro medieval estilizado, placas de couro recobrem seu corpo e na cabeça traz uma máscara vazada, qual um elmo, a esconder seu rosto.A semi-nudez do corpo se mistura a retalhos de couro e sobre os ombros algo como ombreiras de jogadores de futebol americano.

Luvas de operário de construção, recortadas na face interior para deixar os dedos livres, e uma atitude meio que reclusa, tornam Jayme realmente uma figura pitoresca.

Estava eu entretido a conversar com Clarindo Silva em sua “cantina da lua”, quando essa figura, ou Fygura, como faz questão de assinar, entrou pela “porta”.

Fiquei observando seus movimentos, andou para lá e para cá, usou o banheiro das mulheres, e ameaçou ir embora...Deu meia volta e acabou por acomodar-se em uma mesa distante da minha, revirando sua bolsa por alguns minutos e erguendo-se para sair em seguida. Celulares focavam em sua direção e fotos eram tiradas. Eu, sem máquina ou celular, apenas pude observar, até que, quando ele passou por minha mesa, chamei-o para que viesse se sentar conosco.

Jayme veio sem problemas, as pessoas, a maioria gringos, olhavam para a cena se desenrolando à sua frente. Apresentei-me como colunista do Democrata e começamos a conversar numa entrevista informal para obter dados para escrever minha crônica.

Jayme fala fácil, misturando realidade e fantasia em suas explanações, disse que o seu visual inusitado é na verdade fruto de uma necessidade antiga de proteger-se de agressões que sofrera tempos atrás quando as pessoas lhe atiravam pedras.

Disse que morava na periferia e que sua forma de ser diferenciada assustava os vizinhos.

Falou até que já pensara em comprar um cavalo, mas desistira da idéia por falta de recursos financeiros para bancar a alimentação dos dois.

Jayme é artista plástico, recria o seu mundo particular em suas obras, (confesso que não vi nenhuma outra além da sua figura, que é, em si, uma “vernissage” permanente de sua visão do mundo), quando passei em seu ateliê ele estava fechado.

Fygura mistura realidade e fantasia , uma religiosidade confusa permeia o seu modo de ser,

Fala de Jesus o tempo todo, durante o dia, e, à noite, diz ser comandado por exu.

É também um poeta e compositor, entregou-me um folheto de uma performance de um grupo de rock, cujos integrantes não são fixos. Reclamou da falta de apoio do governo à cultura, falou do seu sonho de encontrar uma empresa de brinquedos, que se interesse em

produzir bonequinhos de látex ou silicone, reproduzindo a sua imagem.

Achei a idéia genial, afinal já que se produzem tantos super heróis e vilões, um mais estranho que o outro, acredito que os bonequinhos de Jayme Fygura teriam o seu espaço.

Ao menos seria bem interessante ver turistas em Salvador, levando os bonecos de Fygura após o verem ao vivo e a cores. Com um bom trabalho de marketing ganhariam todos, Jayme por realizar seu sonho, o empresário teria o seu lucro, e salvador ganharia mais um atrativo excêntrico.

O que não posso deixar de reparar, em tudo isto, é a tendência mais que generalizada em nosso país, de se ignorar qualquer forma de arte ou cultura enquanto ela não “explode” na mídia.

Nos Estados Unidos, provavelmente Jayme já teria sido taxado de gênio louco e haveria movimentação em volta de seu nome.

Talvez fosse hoje um “pop star underground” e nós aqui no país tupiniquim talvez o estivéssemos aplaudindo como mais um astro americano.

A figura de Jayme impressiona, isso é inegável, como inegável é que, por este país afora, existem tantos artistas, músicos, poetas, escritores, artesões, que jamais recebem o seu reconhecimento por parte do governo ou instituições.

Na maioria das vezes somos mais um na multidão.

O Brasil não cria apenas músicos e jogadores de futebol, mas por outro lado, não parece haver interesse real em promover a cultura e nem o trabalho de quem não apareça na mídia, e dificilmente alguém aparece na mídia sem que alguém promova o seu trabalho.

Assim sendo, perdemos artistas, poetas, músicos, escritores em uma quantidade absurda a cada dia, condenados ao ostracismo dos guetos onde cada um fica restrito.

As editoras não publicam ninguém por sua conta e risco, em sua maioria exigem do escritor o pagamento antecipado da publicação de suas obras e, quando publicadas, cobram pela distribuição dos livros, enfim...em um livro cujo preço de capa seja de 20,00, cabe ao autor receber por volta de dois reais, embora cada exemplar custe ao seu bolso o mais que o dobro disso.

O resto é dividido entre a editora e o livreiro, e isso depois do autor já haver pago pela edição!

Jayme Fygura não é um caso único, embora seja único em sua forma de ser.

Em cada cidade, em cada lugarejo deste país, existem muitos Jaymes, vestidos ou não de forma estranha, mas por certo cada um deles é, dentro de si, um cavaleiro andante a enfrentar seus dragões ou moinhos de vento. Dom Quixotes modernos a lutar contra gigantes reais ou imaginários, vivendo suas utopias particulares, esperando que a luz no fim do túnel, não seja um trem desgovernado prestes a atropelá-los.

Mas, enfim, em um país onde poetas são considerados vagabundos ( ainda que trabalhem 18 a 20 horas por dia observando, sentindo, escrevendo suas impressões sobre o mundo) e precisam ter outra profissão para serem aceitos socialmente, ( ou só podem se entregar ao seu labor depois de aposentados), onde os artistas de rua são considerados marginais disfarçados, onde a arte não é valorizada senão por poucos, resta-nos a loteria da vida e acreditar que, em algum momento ,o bilhete premiado será o nosso.

Até lá, resta-nos fazermos as nossas apostas e sermos marginalizados, ou sucumbir ao clamor geral e fazer de nossa arte apenas uma forma de lazer nas horas vagas.

A sorte está lançada...façam as suas apostas!