O ÚLTIMO DESEJO

Tem gente que gosta de falar sobre reencarnação e alguns querem encontrar alguma garantia de que seja possível. Projetam a próxima encarnação, garantem que não fariam muitas coisas que fizeram e não cometeriam os mesmos erros. Falam assim, mesmo os que acreditam, no futuro de pretérito. Vivem na esperança de uma nova vida.

Fico a imaginar o pensamento do Criador, ¨têm o privilégio de uma existência, não aproveitam e querem outras¨.

O objetivo de todo ser humano deve ser, primeiro, saborear os seus dias, perceber e compreender o momento que vive. Viver na expectativa de uma nova vida terrena me parece meio assim como ganhar um diamante valiosíssimo, de presente, sem motivo aparente, e ficar na esperança de que o doador volte para dar outro, melhor; coisa de quem dá valor ao corpo, finito, e desdém do espírito, que é eterno.

O objetivo da Monalisa, dos Anjos, como gosta de ressaltar, para que ninguém pense na outra, um pouco mais famosa, é outro. A Monalisa tem certeza de que a sua partida será seguida de uma reencarnação e ninguém entende de que fonte ela tira tanta convicção.

Acrescentando às conversas muito chatas da moça sobre o tema, trata-se de uma mala, sem alça, das grandes, em todos os sentidos. Qualquer coisa que lhe incomoda, braveja, ¨mas que inferno!¨. A Monalisa tem uma capacidade única de transformar qualquer lugar num inferno. É uma daquelas que ninguém merece.

O Sérgio Lucas dizia que, se a esposa fosse para o paraíso, a primeira ordem de Deus seria: - Escondam as maçãs. Havia acostumado com sua vidinha tumultuada, os filhos, essas coisas, quem passa por elas sabe como é. Nas últimas décadas não dava mais ouvidos ao que vinha da esposa. Diziam que havia uma lindona interesseira que o acalmava, ¨que ela nunca saiba¨, tremia só de pensar.

O problema maior foram as décadas, alguns quiprocós reprimidos, sei lá o quê, o Sérgio Lucas enfartou e kaputz, foi. Mas foi antes do que pretendia. Encaminhou-se indignado para a tradicional conversa com São Pedro e foi logo participando:

- Mande-me para qualquer lugar onde eu não precise encontrar a Monalisa.

São Pedro quis saber mais informações e logo, logo, sugeriu ao recém-chegado que poderia escolher qualquer dos lugares possíveis, devidamente identificados pelo anfitrião, ou seja, todos menos voltar.

- Qualquer um, tem certeza?

- Tenho, disse São Pedro pacientemente.

- Como pode ter tanta certeza? Questionou de novo.

- Lembra de que ela tinha uma convicção inexplicável da reencarnação?

- Lembro, confirmou o Sérgio Lucas.

- É que todas as vezes que ela chega aqui, volta, disse o dono da chave do céu.

- Volta sempre?

- Volta, garantiu São Pedro, como quem quer acalmar.

Assim no céu, como na terra, o ser humano precisa de algumas garantias para firmar convicção.

- Por que volta todas as vezes? Continuou questionando o impaciente recém desencarnado.

- Volta, com certeza volta, insistia São Pedro, sem pressa. É que nem sempre tive o cargo que tenho e, até dois mil anos atrás, andei dando uns passeios por lá.