TRISTEZA SEM TÍTULO

Boa parte de minha vida vivi num escuro profundo achando que aquilo lá, que eu enxergava com alguma graça, era o que as pessoas chamavam de viver. Acreditei tanto que viver era aquilo que vendei meus olhos. Vendei e passei quase que uma existência toda de olhos vendados. E com muito custo, depois de algum tempo e atendendo ao apelo de alguns que caminhavam ao meu lado, fui tirando a venda vagarosamente. Foi difícil me acostumar com a luz tão natural que a vida me apresentava. Meus olhos doeram... Sentia um misto de sensações: alegrias, decepções, frustrações, euforias... E cada tipo de sentimento eu experimentava como se fosse a primeira vez. Tinham gosto de quero mais, ou não. E eu sempre me arriscava a passar pelo o que tivesse que passar, em nome de sentir o que quer que fosse, pois era sempre pela primeira vez.

Durante muito tempo achei que soubesse sentir tristeza. Que bastava alguma angústia, mínima que fosse, me pegar de surpresa para eu sentir, bem lá no fundo, aquela tristeza que dá até orgulho de sentir. Aquele tipo que a gente enche a boca pra dizer, e diz: Estou triste! Durante muito tempo enxerguei a tristeza como algo passageiro, diferente de como enxergava a felicidade. Durante muito tempo pensei que saberia lidar com as intempéries da vida, que saberia muito bem me virar para o outro lado da questão e, com os olhos repletos de esperança, saberia dar “uma caneta em quem estivesse duvidando do meu futebol”. Pois é....

Hoje sei que não sou o tipo de pessoa que lida bem com a tristeza. Pelo menos não esse tipo de tristeza que me toma conta. Já passei por muitas tristezas, sobrevivi a todas elas, mas essa não, essa é diferente. Uma tristeza fria, sem graça. Antes as minhas tristezas eram todas quentes, no mínimo mornas. Eram tristezas que tinham causa, fundamento, e motivo para existirem. Desde o dia que me dei conta de que dessa vez a vida não está para brincadeira, e que o zagueirão que se encontra à minha frente não quer saber de levar caneta, desde esse dia eu sinto que algo dentro de mim clama por socorro. Meus olhos que em outros momentos carregavam alguma esperança, hoje nada mais carregam que alguns sonhos desfeitos, e muitas incertezas. A tristeza que sinto hoje é tão viva e forte que chega a se misturar com meu ser. Algumas vezes responde por mim. Em outras apenas palpita. Mas se faz presente, e se mostra.

Amigos volta e meia me perguntam o que foi que aconteceu com toda aquela minha graça de viver, e minha tristeza, atrevida que é, responde por mim com aquele sorriso amarelo que lhe é peculiar: ela simplesmente deixou de sonhar. Já dizia o poeta que “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”... Se o poeta tivesse sentindo essa tristeza que sinto agora, certamente não teria escrito esse verso. Essa tristeza nada tem de belo. Não tem a “esperança de um dia não ser mais triste não”. Com essa tristeza não escreveria um livro, não faria uma música, não conquistaria o mundo estando com ela estampada em meu rosto. Essa tristeza não tem nome, nem sexo, nem idade. Não tem casa. Não tem documento. Não veste roupas. Não sabe que existe. Não tem noção do estrago que pode causar. É apenas uma tristeza. Nada mais que isso. Mas que de tão genuína anda me apertando. E apertando tanto que eu, frágil que sou, não sei até quando vou me agüentar.

São Paulo, 06 de Fevereiro de 2008.