TEMPO DO NUNCA

Em um mundo capitalizado, globalizado, internetizado e angustiado há sempre quem diga que o tempo é pouco. Um dia com vinte e cinco horas ainda seria insuficiente, afinal são coisas demais pra fazer e assimilar, nunca há tempo suficiente para tudo. Mas o tempo não muda seu ritmo. Por sorte nossa ele caminha certo, não pára nem acelera, embora, os olhos que deslizam por estas linhas não vão poder negar para si nem para mim que, apesar desse ritmo perfeito e tão preciso, não desejou no mínimo uma vez na vida que ele parasse, acelerasse ou mesmo se prolongasse. Eu mesma ao escrever esse texto fico a pensar que maravilha seria que aqueles momentos que nos causam êxtase se estendessem, se estendessem... E o instante de dor e constrangimento fosse abreviado e se estancasse bruscamente. Inevitavelmente saio desse devaneio e lanço uma pergunta: “Onde estaria a beleza da vida se as coisas fossem unilaterais?” Sim, porque não ter momentos ruins mas só os bons e vice-versa, nos faria ter uma vida unilateral.

Já dizia o pregador: “... e há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; ... tempo de chorar e tempo de rir; ... tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar; ... tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.” E eu numa certa audácia acrescentaria: “Há também o tempo do nunca”.

Forças antagônicas garantem a nossa existência, nos faz distinguir as sensações, tomar nossos julgamentos, selecionar, mudar, desejar. Dá para imaginar o amor sem o ódio? Eles estão tão ligados que suas essências chegam a se confundir. Não é à toa que se pode passar de um para outro num passe de mágica. E o tempo está nesse meio, determinando tudo, mostrando o momento certo de cada coisa. Mas existem momentos que nos recusamos a viver, deixamos pra trás, fugimos, tememos. Aí está guardado, encoberto e velado o tempo do nunca.

No tempo do nunca estão as realizações que foram almejadas mas não foram buscadas; o passo a frente que foi pensado mas não foi dado; o sentimento sentido e mesmo assim sufocado; o que se pretendia executar e foi renunciado.

O tempo do nunca está localizado no momento da vida em que olhamos para dentro e dizemos: “Deveria ter feito, poderia ter feito, queria ter feito”. Ele depende do tempo em que tomamos decisões, depende do que eu fiz ou deixei de fazer hoje. Esse tempo permanece latente e só se manifesta num futuro distante do que se pretendia e no tempo certo. Ou será no tempo errado? O fato é que o tempo do nunca pode trazer arrependimentos, angustias e alívios, tudo isso para podemos ter uma pequena desculpa por causa do que deixamos de fazer.

Diante disso por que não parar pra pensar? Pensar nos nossos desejos, naquilo que podemos fazer hoje, nos sonhos que queremos que se tornem realidades, naquilo que não queremos que fique no tempo do nunca. O tempo anda e junto com ele a vida que precisa ser vivida. Antes que ela se esvaia podemos fazer com que seus momentos não se converta em lamentáveis epitáfios.

Silvia Pina
Enviado por Silvia Pina em 06/02/2008
Código do texto: T848653
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