Dona Coisa e o Menino

O menino era levado. O cavalo, brabo que só vendo. Resultado: chão e braço quebrado. O menino gritava que gritava. O médico disse “quebrou, não, dona Coisa, é só passar a faixa e ficar de repouso. Faz chá de melissa pra dor e presta atenção pra ele não fazer estripulia.”

Dois meses de choro, dois meses sem dormir. Lá vai dona Coisa pra capital levando o choreiro junto. Braço inchado, nem encostar ninguém podia. Só podia ser manha. “Ou será que aquele doutor num tava sabendo o que dizia?”

Hospital da capital era grande, muita gente, muito branco. Outro doutor acompanhou com esposa. Deixou mãe e filho lá, deu ordens, mandou cuidarem bem do menino, era manha não, era engano do outro dito estudado. “Cumé que pode, meu Deus?”

Choreiro continuou. Dona Coisa não sabia mais o que fazer com tanto grito, lamúria, solidão. “Menino, ô menino! Cê num cansa, não? Dotô deu remédio, passou ungüento, fez curativo, gessô, que falta mais procê pará cum esse berrero?”

Dona Coisa e menino ainda ficaram dois meses no hospital cheio de branco e só. Seu doutor e esposa são cheios de compromisso, podiam esperar não.

Dia de ir embora. “Oba!” Menino tinha secado as lágrimas, calou o choro, pé na estrada!

Iam de avião na volta. Dona coisa tremeu na base, mas se era para chegar rápido, que assim seja.

Avião subiu, pouco depois desceu, mas não na cidade prometida, bem antes.

“Tem muita gente, uns vão ter que ir de Rural.” Seu moço aviador foi categórico, avião não agüentava tanta gente. Falou que dona Coisa teria que ir no carro, o menino ia no avião. “Fala um telefone pra gente ligar e buscar menino no aeroporto, fala!”

“Olha aqui, seu moço, cê acha mesmo que eu vô deixá meu menino ir lá em cima e eu cá embaixo? Nem, que eu não sô dessas que abandona os filho pros outro não, viu!”

“A senhora que sabe, o automóvel já que chega. Até mais.”

Chegou, mas não uma Rural e sim um Jippe. Apertado com cinco pessoas, ele foi sacudindo até a próxima cidade. Pararam para descansar. Chegaram com pó até na alma, ossos moídos e saudade apertada, ainda faltava muito pra chegar em casa.

A pousada era modesta, mas do jeito que queriam descansar da viagem, só pensavam no banho e na cama. Torneira aberta, água não veio. “Ô, dona Coisa, faltou água o dia inteiro, só à noite chega. Paciência.”

Paciência, isso também ela tinha que ter. Menino já estava bem, nem parecia o mesmo da lamúria de antes. Cansaço não pegou o danadinho que andou pela casa ainda um pouco antes de deitar.

Acordaram com a confusão no lugar. Alguns quartos alagaram: menino deixou duas torneiras abertas na busca pela água que não vinha. “Dona Coisa, cuida direito desse menino, acabou a água que chegou na madrugada, agora só amanhã.”

Dona Coisa ouviu e ainda teve que ajudar a secar os quartos com as toalhas que usariam para o banho.