O QUÍMICO

O QUÍMICO DE BEMPOSTA

Nestor Tambourindeguy Tangerini

Já gastado dos anos e sem ninguém no mundo, vivia recolhido em seu laboratório à beira de longínqua estrada solitária de Bemposta, entregue, dia e noite, à pesquisas científicas, o velho químico Abda Kiff, ex-perfumista naquele mercado.

Duas coisas gozavam de grande fama no lugar: a química de Abda Kiff e a beleza insuperável de Nancir, formosíssima dama de muito dar a quem lhe soubesse retribuir, em ouro, as delícias de seu afeto, muito buscado pelos mais ricos negociantes de Bemposta.

Estando, como sempre, o famoso químico em sua tenda árabe de trabalho, procurou-o, uma tarde, a encantadora mulher:

- Entrai, senhora, pelos pés de Alá, que sempre seja conosco.

Nacir ingressou, então, no laboratório e residência de Abda Kiff, e, perguntada sobre o motivo de sua visita, perguntou:

- Como teus olhos de sábio podem calcular, acho-me na flor dos anos. Mas devo prevenir-me contra a velhice, e quero me consigas uma fórmula contra ela.

- Muito exige a vossa vaidade, senhora. A velhice é uma lei de Alá, cuja sabedoria ninguém deve contrariar. Para a mais linda mulher de Bemposta, no entanto, isto eu posso prometer: prolongar-vos a mocidade para o dobro de sua duração natural.

- Também serve, Abda Kiff. E, se me conseguires tal, saberei recompensar-te com meia dúzia de beijos.

- Muito pouco prometeis, senhora, em paga de tanta ciência...

- Acaso desconheces que, com todas as tuas economias de ex-perfumista jamais conseguirias um só dos beijos meus?

Silencioso e calmo, o velho químico foi a uma pequena estante e trouxe um caderno de notas, que abriu ao olhar curioso de Nancir:

- Aqui tendes, senhora, o que despende o corpo humano em água, albumina, gordura, etc., no ato de beijar. Tais elementos, na quantidade em que o vede, são, reunidos, de valor comercial inferior ao de uma tâmara. Por aqui, senhora, podeis bem concluir quão insignificante o preço de um beijo.

E, enquanto Nacir lhe apontava a garrucha de dois canos de um par de olhos fuzilantes como lindos:

- E vós, as mulheres, que cobrais tão caro por um beijo, ainda vos insurgis contra o preço atual da banha...

Crônica publicada na revista O Espeto, Ano 1, no 3, Rio, 15/6/1947, pág. 1, com o pseudônimo Conselheiro Armando Graça.

Obs.:

O texto, salvo alguns casos, conserva as convenções ortográficas da época.

Arquivo Nelson Marzullo Tangerini:

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Bergamota
Enviado por Bergamota em 08/02/2008
Código do texto: T850455