Escuta indiscreta!

Ontem à noite fui fazer uma ligação, para a casa de um daqueles parentes que só se vê na semana santa e no natal. Para matar a saudade perguntar como vai a saúde, os filhos e saber notícias da vida em geral.

No entanto, antes de ligar quando tirei o telefone do gancho, notei algo estranho, alguém já falava, era linha cruzada. Pensei logo em desligar e tentar de novo a ligação, afinal de contas àquela conversa não me interessava por que me prender a ela?

Mas como todo ser humano, dotado de fraquezas como sou, vacilei. Antes de retornar o telefone ao gancho, senti, era uma curiosidade louca me carcomendo a honestidade, e me impelindo de uma forma irresistível a ouvir a privacidade dos interlocutores, nos dois lados da linha que agora possuía três pontas. Não contem para ninguém mas não pude resistir.

_ Alô?

_ Mayra, sou eu. – respondeu uma voz masculina.

Não questionem a sorte que tive de interceptar a conversa em logo no seu início, tais coisas são próprias de histórias contadas, veja só, os filmes por exemplo; eles sempre começam antes que toda a trama se desenrole.

_ Oi querida como foi seu dia?

_ Ai amor foi terrível! Nem te conto!

Enquanto ouvia pensava no íntimo do meu invasivo silêncio, sobre o quão curioso é o processo de interlocução entre duas pessoas, antes mesmo da moça que respondia a pergunta de seu possível namorado, terminar a frase “Nem te conto”, já começava a fazer exatamente o oposto relatando, nos mínimos detalhes o que momentos antes afirmou não fazer.

_ Fui roubada.

_ Seri... – se impressionou o falante que ouvia a moça mas foi interrompido antes de terminar.

_ Eu estava saindo do salão, com o meu novo penteado, você tem que ver! Fiz especialmente pensando em você. Lembra quando me disse que gosta de cabelos ondulados? Pois é. – e continuou – Então continuei na avenida, o carro não estava muito longe, foi ai que notei que tinha um sujeito me olhando.

_ Olhando querida? De que forma!

_ Ah! Sei lá, me olhando. Então vi a Jéssica, lembra dela da faculdade?

_ Lembro sim!

_ Eu sei que você se lembra – já disse alterando o tom, a voz feminina – você vivia se enrabichando pra cima dela. Você acha que eu não sei da festa em que o Carlinhos bateu o carro...

Eu devia ter desligado, realmente não precisava participar daquilo, era muito íntimo. Mas lá no fundinho confesso, eu estava doido pra saber o que aconteceu na festa em que o Carlinhos bateu o carro.

_ Mas querida, eu não te conhecia!

_ É eu sei disso também. Seu insensível eu já te conhecia, já te olhava e você nem me dava bola. Cachorro! – e continuou o sermão – vai lá pra você ver o quanto ela ta gorda, teve três filhos, e nem se casou. Perua...

_ E sobre o assalto, querida. – interrompeu o homem tentando conter o falatório.

_ Ai amor! Pois é! Sabe o homem que estava me olhando? Ele ficou há uns cem metros, aproximadamente enquanto eu conversava com aquela vaca, da sua ex-namorada. Inclusive fiz questão de contar pra ela que estamos noivos viu?

_ Noivos? Mas não estamos noivos! – se admirou o namorado com a informação.

_ Olha aqui! Eu disse pra ela que estávamos. Aquela vadia perguntou por você e eu precisava abaixar o facho dela. Então fique avisado; para todos os efeitos estamos noivos e não se fala mais nisso. – E continuou esbravejando de novo – E vê se não me interrompe mais. Quero lhe contar do assalto. Posso?

_ É lógico, querida! – disse o homem já entediado.

_ Então eu segui, estava indo em direção ao carro, quando ele se aproximou. Ai que pavor não gosto nem de lembrar! Eu não podia continuar na calçada, entrei na primeira butique que eu encontrei!

Não sabia nada a respeito, das pessoas as quais escutava naquele momento, mas a trama parecia interessante, porém esconder de ladrão em butique, nunca ouvi falar. E a moça continuou fazendo uma observação ainda mais inoportuna:

_ A propósito, o limite do cartão que você me deu, estourou. Convenhamos amor, dois mil e quinhentos reais? Antes não ter dado, não?

Tive que me segurar pra não dizer “Putzgrila!”.

_ Querida, você gastou dois mil e quinhentos reais em menos de um mês?

_ Pois é! Se o limite fosse logo uns dez mil, talvez gastaria uns quatro meses. Mas não, você me da um mísero cartão de dois e quinhentos, é nisso que dá. – e como se não bastasse – então eu comprei no cheque especial da conta conjunta viu?

Fico imaginando o que passou pela cabeça do rapaz. Não pude contar um sentimento de pena pelo jovem.

_ Você comprou roupas enquanto se escondia do ladrão?

_ Uai? – então notei que a ligação cruzada não era inter estadual – O que eu ia fazer? Sentar e esperar ele ir embora, dentro de uma butique chiquérrima do centro? Ah, mas nunca viu!

_ Tudo bem querida, vemos isso depois. – Nesse momento ele já devia ter contado até dez, ou cem quem sabe – Mas e o assalto como foi? Ele te violentou, ameaçou você com armas?

Enquanto ele perguntava preocupado, sobre o assalto a voz feminina gritou.

_ Entra Bebel a porta está aberta! – e explicou – A Bebel está aqui amor só um minuto, vou só recebê-la. Não desliga tenho de te contar o quanto foi terrível.

Eu podia escutar, ainda que com mais dificuldade, as gírias e expressões de espanto das duas moças em um lado da linha, que se referiam a alguma coisa relacionada com as roupas novas de alguém. Do outro lado o rapaz que dizia:

_ Amor, cadê você. Amoooor? Amor me atende aqui. Pelo menos coloca no viva voz, eu to preocupado com você.

E depois de alguns minutos:

_ Querido, depois eu te ligo, a Bebela ta me contando um bafão aqui. Depois eu te ligo. Ta?

Só tive tempo de escutar um “Mas querida...” do jovem antes daquele “Pi pi pi pi” de conversa encerrada. Sem saber ao certo se o cara do outro lado da linha me escutava ou não, arrisquei aconselhar:

_ Cara sai dessa!