A VENTURA DO VENTURA

A VENTURA DO VENTURA

Nestor Tambourindeguy Tangerini

Passeando com água até aos joelhos, espairecia-se, em companhia de amigos, na praia do Leblon, um rapaz – pobre mas distinto – que, apesar de chamar-se Ventura, não vinha tendo sorte na pretensão de ficar noivo de sua Dulcinéia, cuja mão havia pedido duas vezes e duas vezes lhe fora negada pelo sr. Trancoso, pai da pequena e riquíssimo negociante.

Ia assim o nosso Ventura a distrair-se, procurando, naturalmente, esquecer a sua desventura, quando, de repente, se ouvem uns gritos:

- Socorro! Socorro! Socorro!...

O mar estava muito agitado; mas, hábil nadador, o rapaz atirou-se imediatamente às ondas e, em largas braçadas, num instante alcançou a pessoa que gritava: era o pai de sua amada, o sr. Trancoso, que logo foi implorando :

- Pelo amor de Deus! Dê-me a sua mão, seu Ventura!...

O moço pegou então a deixa e impôs, cercando o velho como se o fizesse a um frango:

- Só lhe dou a minha mão, se o senhor me der a mão de sua filha!

No mesmo dia, à noite, no confortável palacete do abastado negociante, recebia o Ventura a ventura de fazer-se noivo, e vindouro sócio do sr. Trancoso.

Em dado momento, no qual pôde estar a sós com o futuro sogro, o rapaz não se conteve:

- Com que então, sr. Tancredo, o senhor só atendeu ao meu terceiro pedido porque lhe salvei a vida?

E o velho negociante:

- Está muito enganado, seu Ventura. A minha filha é uma segunda edição da mãe, e foi com pena de você que por duas vezes lhe neguei a pequena. E, se agora você vai ser meu genro, é por se haver mostrado um homem bastante duro para ter-me deixado morrer, caso eu não lhe prometesse a mão da garota, que na sua mão há de ficar uma luva...

Crônica publicada na revista O Espêto, Rio, dezembro de 1947, no. , 6, pág. 1, com o pseudônimo Conselheiro Armando Graça.

Arquivo Nelson Marzullo Tangerini:

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Bergamota
Enviado por Bergamota em 09/02/2008
Código do texto: T851884