A GALINHADA

Tudo começou porque a Laura, que não entrava na cozinha nem pra fritar ovo e não concebia o mundo sem uma cozinheira agregada às instituições familiares, resolveu preparar no almoço uma galinhada para a sogra, que em poucos dias chegaria de viagem. O Ednardo estranhou.

- Galinhada?

- Será que ela come?

- Bom, acho que come, não sei. Já vi mamãe comer frango de todo jeito, assado, frito, ensopado. Mas galinha?

- Pra mim é tudo a mesma coisa.

- Bom, isso sim. No mínimo, derivado. Mas não sei...

- Não sabe o quê?

- Essa, agora, de preparar galinhada pra mamãe. Você nunca foi disso...

- Fizeram uma outro dia, no escritório, e estava di-vi-na. Peguei a receita com a cozinheira e acho que consigo fazer. É tão simples, Ednardo!

- Não, quanto a você preparar a comida, tudo bem. A gente corre o risco. O que está estranho é você resolver fazer isso logo pra mamãe.

- Mas homem é tudo igual, mesmo. Uma hora você diz que sou antipática, não dou atenção pra sua mãe, não converso, não ligo pra ela. Quando eu resolvo dar uma inovada, acha estranho.

- Não, tudo bem, imagina. Estranho não é bem o termo. Diria... suspeito, talvez.

- Deixa disso, você me conhece. Sabe que sou assim mesmo.

- Certo, certo. Não, tudo bem. Assim mesmo.

***

- Galinhada? Sua mulher vai preparar uma galinhada pra mim?

- Pois é, mamãe. Não é ótimo?

- ...

- Mamãe?

- Não sei, não, Nardo. Acho estranho. Sua mulher nunca foi com a minha cara, e agora vem com essa história de galinhada...

- Mamãe, você precisa ver a animação da Laura em fazer esta, digamos, homenagem pra senhora.

- Homenagem o quê, Nardo. Ela tá é de sacanagem. Inventou essa história pra me provocar, lembra aquela vez em que disse que me achava uma perua?

- Ela não falou isso, mamãe...

- Falou, sim, e logo no Salão de Beleza que eu freqüento. Mas caiu do cavalo, né? Nunca que ela ia adivinhar que eu sou cliente VIP daquele lugar, né, meu filho, e que as meninas me contam tudo o que acontece lá.

- Mas isso faz tanto tempo, mamãe.

- Para uma mágoa como essa o tempo não passa, Nardo. Eu que sei.

- Bom, mamãe, mas então é isso que eu queria te falar. Está feliz?

- Estou feliz porque vou estar com você e com meu netinho, e não estou nem aí pra galinha nenhuma. Nenhuma, ouviu bem?

- Também acho que vai ser maravilhoso, mamãe. Não esquece de ligar quando estiver chegando.

- Nardo, espera, deixa eu te falar uma coisa.

- Fala, mamãe.

- A Laura deu pra antropofagia, agora?

***

- Quanto eu compro de galinha, Nardo?

- Quê?

- A galinha, pra galinhada da sua mãe. Quanto eu compro?

- Depende do peso.

- Peso de quem? Da sua mãe ou da galinha?

- Pára, Laura, não começa.

- Brincadeira, ô, só pra te fazer tirar a cara de dentro dessa revista.

- Não faço a mínima idéia.

- Acho melhor perguntar pro cara do açougue, ou do supermercado.

- Laura, pelo que eu saiba, galinha se compra em avícola.

- Ednardo, em que mundo você vive, meu bem? Avícola? Avícola não existe mais, agora é tudo no Supermercado!

- Então vai no Supermercado, ué. E sei lá, compra dois quilos de galinha, talvez três, não sei.

- Com ou sem miúdos?

- Minha mãe gosta muito do coração de frango, compra com miúdos.

- Bom, neste caso é um miúdo só, porque galinha geralmente só tem um coração. Coração de galinha é igual a coração de frango?

- Deve ser, se são da mesma espécie, Laura. Vê aí, não sei quanto de galinha você vai comprar.

- Acho que vou telefonar e perguntar.

- Isso, querida, faça isso, ela vai adorar!

- Não pra sua mãe, Ednardo. Vou ligar pra cozinheira lá do escritório!

***

Um dia antes a mãe ligou dizendo que não poderia mais viajar, por conta de uma indisposição estomacal, e o médico havia recomendado, além do repouso, que ela não ingerisse frituras, sal em excesso e qualquer tipo de carne por tempo indeterminado. A Laura ainda tentou convencer o marido a viajarem até a casa da sogra e comer a galinhada lá mesmo, mas ele achou melhor não. Assim que desligou o telefone, o Ednardo foi até a geladeira, pegou uma cerveja e refestelou-se no sofá, sozinho, pra ver se descansava um pouco.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 12/02/2008
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