Sem Título

Como temos caras-de-pau nesse Brasil! E não falo dos engravatados de plantão lá de Brasília não, falo é de gente comum mesmo, como eu e você, como gatinho que pensa ser leão, come piava e arrota salmão. A história ocasionou-me um tremendo gargalhado. Carlos, um pedreiro meia-boca, desses que há tantos por aí, gabava-se a todos do carro que tinha comprado financiado a perder de vista, e onde morava? Não, não revelava a ninguém, foi-se descobrir, numa quitinete alugada sem divisões e um banheiro de instalações quase ou mais precárias quanto um boteco de beira de praia. Sempre se dizia credor de seus clientes, tinha dinheiro pra receber ali e acolá, mas na verdade era um caloteiro de primeira, aceitava serviço pra logo depois abandonar a obra, quando não a fazia mal feita, raras as vezes concluídas e bem executadas. Achava inclusive que Deus lhe devia também, economizava nos pedidos pro cara lá de cima atende-lo prontamente quando precisasse. Criava caso com todos, com o cara que vinha cobrar o aluguel sempre em atraso, com o dono da padaria, ninguém escapava, não tinha namorada e os vizinhos não queriam nem vê-lo pintado, tamanha a arrogância daquele meio grão de areia. O causo aconteceu quando fora visitar seus pais em São Paulo para as comemorações de natal, como as promoções dessa época do ano possibilitam qualquer pé de chinelo viajar de avião, Carlos, porque não? Economizara até os centavos para comprar a passagem da classe econômica, mas foi. Mal sabia ele que a volta lhe guardava uma surpresa e que ficaria conhecido por toda a internet nesses e-mails que vêm e vão. Voltaria ele num vôo da Gol, conseguira comprar o último lugar disponível um dia antes, e seguiu para o aeroporto de Congonhas na manhã seguinte, no horário indicado no bilhete. O problema é que o vôo foi cancelado e os passageiros fizeram um longa fila no balcão da companhia aérea, cujo atendimento era feito por uma única funcionária incumbida de tentar resolver o problema daqueles passageiros todos. Carlos, todo nariz em pé, entra no fim da fila já resmungando e bufando, todo inquieto no lugar que dali a cinco minutos sairia irritadíssimo cortando a fila até o balcão. Jogou o bilhete na funcionária e disse: - Eu tenho que estar neste vôo, e tem que ser na primeira classe! A moça, muito educada, respondeu: - O senhor desculpe, terei todo o prazer em ajudar, mas tenho que atender estas pessoas primeiro, já que elas também estão aguardando pacientemente na fila. Quando chegar a sua vez, farei tudo para poder satisfazê-lo. Contrariado e irredutível, disse bastante alto para que todos atrás de si pudessem ouvir e ao mesmo tempo tentar intimidar a mulher: - Você faz alguma idéia de quem sou eu? Sem hesitar, a funcionária sorriu, pediu um instante e pegou no microfone anunciando: - Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor? (a voz ecoou por todo o salão). E continuou: - Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é e deve estar perdido. Se alguém é responsável pelo mesmo, ou é parente, ou então puder ajudá-lo a descobrir a sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL. Obrigada. Com as pessoas atrás dele gargalhando histericamente, olhou furiosamente para a funcionária, rangeu os dentes e disse, gritando: - Eu vou te foder! Sem recuar, ela sorriu e disse: - Desculpe, meu senhor, mas mesmo para isso, o senhor vai ter que esperar na fila...