Papai

Olhos azuis profundos. Mãos encarquilhadas; lábios que tem história para contar; mente lúcida, viva. O cabelo de corte curto militar -nunca seguiu carreira apesar de ter gostado de servir - agora esbranquiçados e quase ralos. Outrora foram loiros fortes compridos até seus quadris. Ah, o cabelo. Usou trinta e dois anos o mesmo xampu: "Seda Lanolina", que está saindo do mercado. O mesmo pente fino - preto, comprido, daqueles que não se encontra mais -, e o mesmo corte por trinta e dois anos.

Suas mãos de pele gasta e ferida, de pequenos calos e poucas marcas. Seus dedos compridos terminam em unhas curtíssimas, perfeitamente aparadas; e estas, terminam no álbum de fotos.

A ponta de seus dedos acaricia rostos em fotos. "Essa é minha linda mulher, e essa é a tia louca que veio junto com ela" ("tia Nina" [já era tia-avó na época] no dia do casamento dos meus pais usava um vestido vermelho china, meias 7/8 vermelhas Ferrari, um sapato de salto grotescamente alto - vermelho - e no alto da cabeça, uma coloração de cabelo - quem diria: vermelho cobre. Pessoa única. Mesmo.)

Estou na porta e o observo. Ele ali sentado na cama, olhando fotos e figurinhas com as quais jogava "bafo", seus livros de crônicas a seu lado. Meu pai poderia ter sido um bom escritor de crônicas, mas preferiu a família.

Trabalhou 27 anos para o HSBC (na época em que começou, Bamerindus) o banco fez concursos nacionais -creio- de textos e meu pai ganhou dois primeiros lugares.

Um deles uma crônica sobre mim e as mesmas figurinhas que agora ele colocava num saquinho plásticos para preservá-las.

Entro no quarto devagar e me sento na cama a seu lado, ele apenas me olha e sorri. Contamos segredos com os olhares, ele sabe que vou partir, e eu sei que ele não estará lá pra sempre.

Tal pensamento me entristece. Por isso prefiro pensar nele vivo, lúcido, soltando pipa e brincando de carrinho comigo.

Hoje (09 de Dezembro de 2007) ele fez 53 anos.

E acho que sempre digo pra ele que o amo. Mas nunca é suficiente. Escrevo este texto, em plena madrugada, com lembranças de poucos dias atrás. Agora o deixo aqui pra você papai. Embaixo do presente que eu e meu irmão te compramos. Esse livro. E... Com ele quero dizer, que você é uma das pessoas mais importantes para mim.

E...

Que te amo.