Programa de Índio

Se recordar é viver, escreverei a recordar e deste modo viverei mais! A infância de todos nós é peso para o despertar de um futuro.

Pois bem...Era uma bela tarde em que a aula de uma 4ª série foi transformada em um "espetáculo" no qual eu com minha turma inesquecível, fomos a quadra esportiva do meu colégio ver a comemoração ao "Dia do Índio".

Na realidade foi o colégio em massa lá para a quadra! Fomos ver "índios legítimos", "mostrarem" a sua cultura.

Hoje com a cabeça mais "sábia" (se é que ela está...) eu poderia argumentar no modo politicamente correto que essa atitude era errada, pois tratava de considerar um índio como animal em zoológico ou usar até o velho chavão de Rosseau de que o "selvagem" é bom, é a sociedade que o corrompe...

Mas, deixemos isso um pouco de lado...

Então, eles chegaram lá, fizeram as danças deles no meio da quadra com a fala do coordenador do colégio que dizia: "Oh gente! Isso são índios de verdade! Não são falsos! São legítimos!" pelo menos isso foi dito umas 5 vezes...

Nós estavamos sentados no chão mesmo assistindo a tudo isso, só eu (creio) que ficou admirado com aquilo, apesar da pulga atrás da orelha que tive...É no mínimo estranho você ver uma índia usar um biquíni preto bordado por debaixo da "roupa" ou mesmo um índio usar um short verde escrito "100% Verdão" ou um outro usar uma "sunguinha" azul bebê...

Chegou-se a hora das perguntas ao Pajé da tribo. Uma fila enorme de alunos querendo interrogá-lo. O engraçado é que ninguém da minha sala queria perguntar, nem eu inclusive...

Minha professora insistiu muito para que os questionassem, principalmente a mim, devido ao fato de que eu estava do lado dela. Aí das minhas "entranhas" e o desejo de não levar reclame, resolvi bolar uma pergunta e me meti na fila!

Chegando lá, estava o Pajé e uma espécie de "tradutor" que segurava o microfone para as perguntas. Quando eu abaixei para falar no microfone (os 2 estavam no chão) o "tradutor" com um sorriso irônico:

-Calma meu amigo...

E retirou o microfone repentinamente. Quando eu fui me abaixar pra falar de novo ele deu outra risadinha, tirou de novo o microfone e disse:

-Tenha Calma... Pra quê a pressa? Faça a pergunta agora.

Eu já tava ficando com raiva quando eu finalmente fiz a pergunta:

-Quais são as principais festas da tribo?

O Pajé hesitou um pouco e disse com a sua típica fala:

-É...Homem branco "nom" pode saber "nom"...

O "tradutor" para me consolar disse que havia uma longa festa no período de outubro a dezembro, só não me disse o que raios tinha nessa festa...

Depois os índios saem e vão para o pátio enorme do colégio, vão vender "souvenirs" que iriam desde arcos e flechas a chocalhos. Com a fala do coordenador dizendo que era importante para o "sustento" desses índios. Estranho para mim...Eu tinha aprendido na escola que os índios viviam da caça, da pesca e da floresta...

Nesse meio tempo de venda, um guerreiro lançou uma longa flecha para um campinho de areia para a demonstração de que o produtos eram bons mesmo. E eu querendo uma oportunidade, pedi 1 real emprestado de uma professora para comprar um arquinho e flechinha, e um chocalho.

Quando eu mal paguei o arquinho, quase que eu o perco. O tal guerreiro querendo fazer outro "test-drive" lançou minha flecha que foi parar lá no 1º andar do colégio, mas pelo menos eu a recuperei.

Já o chocalhinho quando eu comecei a balançar, quase não saia som. Perguntei o motivo ao guerreiro-vendedor. Dizia que ele só faria barulho se eu o chacoalhasse muito. Passei quase 1 semana mexendo no brinquedo e nada...Virou enfeite de estante até hoje, com direto a proteção de verniz que meu pai fez.

Admito que até alguns dias duvidei que essa turma fosse indígena mesmo. Mas sabe? Eu passei a acreditar...

Já basta ver as notícias que circulam de índios fazendo reféns, cobrando pedágios em estradas públicas, virando alcoólatras e outras coisas mais. Penso que se Rosseau estivesse vivo arrepiaria os seus cabelos com tudo isso.

Mas pode ter certeza meu caro leitor que, caráter, decência e honestidade vão além dos limites de uma cultura ou da cor de uma pele...