As Irmãs Lucia

Sentada em frente à TV, assistindo a novela das oito, caixa de chocolates no colo, Ana Lúcia nem se dava conta de quantas calorias e futilidades estava a engolir. Mário Celso, roncava no sofá, a barriga (enorme, por conta das rodadas de cerveja das sextas-feiras) virada para a cima, lembrava a ela a forma de uma melancia gelatinosa. Os filhos se preparavam para a balada daquele sábado, parece que a noite ia "bombar".

Ana Lúcia então, começou a recordar dos seus dezoito anos.

Não era sempre que a mãe a deixava sair com a irmã Vera Lúcia, para irem ao cinema ou ao baile do Salão Familiar, em que os moços e as moças da época dançavam de rosto colado, longe dos olhos dos pais e dos irmãos mais velhos. Era sempre no primeiro domingo do mês, nem adiantava insistir, corria-se ainda o risco de banir-se inclusive esta "regalia".

Ana Lúcia era a mais nova, e também a mais recatada das irmãs. Vestia-se sempre com seus vestidos rodados, comportados, e nos dias de baile, calçava os seus sapatos de salto alto e bico fino, que a deixavam mais alta e esguia, além de escorregar muito bem na pista de dança. Prendia os cabelos num rabo de cavalo bem alto, espirrava generosos jatos de laquê e passava o seu Avon mais doce. O batom, cor de rosa, discretíssimo completava o figurino.

A irmã mais velha, Vera Lúcia, no limiar dos seus vinte anos, sempre foi mais ousada. Seus vestidos eram justíssimos - Ana Lúcia não conseguia compreender como a irmã conseguia respirar - pouco acima do joelho - por insistência da mãe, que não a deixava adquirir qualquer vestido sem a aprovação dela. Os cabelos bailavam belos e soltos, o que lhe dava um charme singular, os homens apaixonavam-se pelo balançar das madeixas da moça. Sandálias que liberavam seus dedinhos com as unhas perfeitamente pintadas de vermelho, esta também era a cor do batom, que encobria os seus lábios.

E assim, todo o primeiro domingo do mês, às 18:00h, as duas eram levadas pelo pai até a porta do salão, e pontualmente às 20:00h, ele as buscava. Chegava mudo e saía calado, era melhor não ouvir o que as meninas tinham para contar.

Num desses domingos, as irmãs Lúcia adentraram o Salão Familiar, cada uma com a formosura que lhe cabía. Trataram logo de reservar a mesa mais próxima da pista de dança, assim poderiam avistar a todos que alí bailavam, e serem avistadas também, é claro, afinal, este era o objetivo de estarem alí.

Ana Lúcia apenas almejava ver e ser vista por Mário Celso. O moço não era assim um padrão de beleza, mas a tratava com respeito, e era isso que a ela interessava. Ele trabalhava no banco da cidade e parecia ser responsável, o pai iria aprovar.

Vera Lúcia tinha muitos pretendentes, porém apenas dançava com os mais bonitos e também com os mais ricos. A cada dança, ela avaliava as qualidades dos rapazes e escolhia um para convidar a sentar em sua mesa e aprofundarem-se nas conversas, para sentir também o nível do papo. Ela era muito criteriosa na escolha do seu possível marido. Naquele domingo o escolhido foi Rubens, o dono da joalheria. Era fino o gajo. Suas camisas de linho muito bem engomadas, muito brancas, formavam ótimo conjunto com a calça cor marfim e os sapatos brancos. Além de tudo, ele era muito cheiroso, os cabelos negros muito bem penteados e os olhos verdes, lembravam as turmalinas que ela já almejara na vitrina da joalheria. Vera Lúcia estava extasiada com uma conjuntura tão perfeita. Este não precisou nem mostrar muitos dotes intelectuais, ela decidira alí, que ele seria o seu marido.

A partir daquele dia, elas passaram a frequentar também a praça para tomar sorvete com os moços, e eles a frequentar a casa delas para namorar sob as vistas da família.

As duas casaram-se no mesmo dia e o pai fez uma festa de parar a cidade...

Acabaram-se os chocolates, Mário Celso também havia parado de roncar e os meninos já tinham saído sem a mãe se dar conta. Ana Lúcia cutucou o marido e sugeriu que fossem para cama, já era tarde.

O outro dia seria movimentado, eles receberiam Vera Lúcia e Rubens para o almoço, onde eles trariam as fotos da última lua-de-mel em Paris.

Catia Schneider
Enviado por Catia Schneider em 15/12/2005
Reeditado em 15/12/2005
Código do texto: T86302