Engolindo baratas

Eu nunca comi barata. Juro.

Lembro de comer papel na escola: barata não. Mas tenho certeza que, quando criança, um daqueles duzentos e poucos remédios que me empurravam goela abaixo tinha como ingrediente-base os nojentos animaizinhos. Lembro do gosto e da cor, da colher bem cheia vindo como um avião desgovernado, e lembro que eu sempre tomava lembrando daquela gosma nojenta na qual se transformavam os restos de uma barata pisada.

Quando somos crianças, nos fazem engolir muitas coisas inúteis de gosto esquisito, “porque é preciso”. Engraçada a vida, que nos reserva a mesma sina mesmo depois de abandonarmos a infância. Os anos passam, as respostas que deveriam chegar estão atrasadas, e seguimos engolindo baratas contra a nossa vontade.

Algumas esperneiam na nossa boca, insistem em querer empurrar para fora alguma resposta - mas calamos e, da pobre barata, fica apenas o amargo no céu da boca. No final, também somos meio baratas.

Calar, às vezes, é bom, engolir em silêncio e esperar. Mesmo para quem pensa que tem as respostas para tudo. Besteira, a gente mal sabe as perguntas. Eu calo porque valorizo cada palavra, e não acho justo desperdiçá-las. Não calo por medo (não por medo: talvez, admito, até por cansaço). Minhas baratas têm morrido em silêncio e não me envergonho disso.

(originalmente publicado em www.ainsanidadenaotemnome.blogspot.com)