Outras formas de discriminação

Relato de um caso verídico:

Depois de formado no curso de engenharia, um rapaz participou de um longo processo de seleção em uma conceituada empresa. Este rapaz, que tinha em torno de vinte e oito anos, possuía um piercing em uma de suas sobrancelhas. Um amigo dele já trabalhava na empresa e, o alertou antes de ingressar no processo seletivo que o fato dele possuir um piercing poderia prejudicá-lo na seleção. Na fase final deste processo seletivo os candidatos passaram por mais uma série de entrevistas em grupo, e nesta última etapa, foram feitas as seguintes perguntas a este candidato:

– Você usa drogas?

– Não – ele respondeu.

– Você consome bebida alcoólica?

E ele respondeu:

– Bebo socialmente.

O entrevistador fez uma pausa, pensativo, encarou-o e perguntou novamente:

– Você fuma?

– Não – o rapaz respondeu.

Então ironicamente o entrevistador sorriu e disse:

– Pelo jeito você é o filho que toda a mãe gostaria de ter. Se você não faz nada disso, por que possui um piercing em uma de suas sobrancelhas?

Evidente que o tal do entrevistador aqui já não fez um comentário, mas uma acusação; insinuando que pelo adereço usado o rapaz poderia ser um usuário de drogas e também um mentiroso, já que havia dado respostas negativas às perguntas e, com isso, o entrevistador afirmava diante de todos que ele era alguém em quem não se poderia confiar, causando uma situação de constrangimento diante dos demais candidatos.

O rapaz tratou de se defender; deixou claro que a posição do entrevistador era extremamente preconceituosa, que ele estava o acusando de algo grave e, que uma acusação dessa, sem fundamento algum, daria a ele todo o direito de se defender. O entrevistador ao se conscientizar do que disse e, percebendo também que se insistisse nesta questão poderia estar complicando as coisas para si, tratou logo de pedir desculpas. Mas acontece que nas etapas seguintes deste processo seletivo, que se tratavam apenas de entrevistas, o rapaz foi eliminado. Mais tarde, o amigo dele, que já trabalhava na empresa, comentou que o fato dele usar um piercing teria sido a principal causa da eliminação, pois fatos como este já seriam rotina nos processos seletivos da empresa.

Eu não uso piercing, não uso brincos, não possuo tatuagens no corpo e não tenho cabelos compridos; não trabalho para empresa alguma e não ligo a mínima para o que todo esse lixo de empresas que existe em nosso país faz ou deseja fazer em seus processos seletivos. Não vejo empresas com bons olhos. Não estou nenhum pouco preocupado com processos seletivos e não é isso o que questiono aqui. O que eu questiono é a nossa sociedade, o que ela entende por normal e anormal e como isso se reflete em nossas vidas. Só resolvi abordar o assunto das novas formas de discriminação, pois vejo que a nossa sociedade não as questiona, a nossa sociedade as aceita e as compreende como normais e, nem ao menos as considera discriminatórias.

A sociedade parece lutar muito contra o preconceito. Fala-se em racismo, fala-se em crimes contra homossexuais; fala-se em intolerância a grupos religiosos e criam-se leis a todo o momento para acabar com tudo isso. Mas são essas as únicas formas de discriminação que existem?

Fulano de tal cria uma empresa e começa a contratar funcionários. Ele entende que todos os funcionários precisarão ter boa aparência, pois eles estarão prestando atendimento ao público. Então, quando surge um candidato do sexo masculino, que possui cabelos compridos, ele não o contrata, pois de acordo com os seus critérios um homem de cabelos compridos parece desleixado e, sendo assim, não possui boa aparência. Da mesma forma ele trata aqueles que possuem tatuagens em partes do corpo que estejam à mostra e os que usam brincos e piercings também.

Então meu caro leitor, talvez você concorde com este homem e ache que ele tem todo o direito de contratar quem ele quiser, pois afinal, a empresa é dele. Mas saiba que ele não é o único a se utilizar deste critério da boa aparência. Então quando você for à empresa dele, ou até a empresa de algum “amiguinho” dele para concorrer a uma vaga de emprego, faça-me o favor de não ficar chateado se você for discriminado pela raça a que pertence, ou por ser gordo, magro, baixo, feio, narigudo e etc... Pois afinal, é você e a nossa sociedade que dizem: O direito é todo dele! E saiba que isso não ficará restrito ao mercado de trabalho.

Eu entendo que mostrar o meio como ocorrem discriminações em uma empresa é o melhor modo para demonstrar o que se passa em nossa sociedade. E entendo também que leis não acabarão com preconceito algum; o que elas podem fazer é inibir preconceitos. Desta forma, as pessoas fingem que aceitam umas às outras, até ao momento em que uma realmente tenha a oportunidade de passar a perna na outra.

Concordo com Albert Einstein quando ele disse: “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.” Há uma outra frase de Einstein que se encaixa bem aqui, já que estou questionando a nossa sociedade: “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam o mal e o deixam acontecer.” Então eu digo: O mundo é um lugar cheio de preconceitos, não por causa daqueles que são preconceituosos, mas sim por causa daqueles que observam as mais variadas formas de discriminação e as deixam acontecer!

Provocador
Enviado por Provocador em 20/02/2008
Reeditado em 22/11/2011
Código do texto: T868226
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