SOLTANDO PIPA

Numa tarde qualquer do mês de agosto, ao sol poente, num arroubo espiritual de criança, e numa área apropriada, já que estávamos num terreno baldio, resolvi empinar pipa com o meu filho Márdem William de 4 anos. Depois de algumas tentativas, consegui por a pino o papagaio.

O meu filho tinha os olhinhos a brilhar e sorria descontroladamente, tal a felicidade. Vez ou outra eu tomava a manivela para controlar o objeto voador identificado.

Assim passamos bons momentos. Creio que o meu filho sempre se lembrará desse dia.

Relato esse fato, para fazer referência a um conhecido que passou no local onde eu e meu filho nos divertíamos e fez a seguinte pergunta com tom zombeteiro:

- O senhor não teve infância não, doutor?

Confesso que fiquei irritado e não lhe respondi. Embora tenha tido vontade de lhe responder a altura. O meu silêncio teve efeito correspondente de um palavrão. Pelo menos para mim, no íntimo.

Fiquei imaginando qual o adulto não gostaria de soltar ou empinar um papagaio ou pipa. É muito divertido! Lembro-me que o meu pai se divertia muito montando o autorama e brincando comigo e meus irmão.

A infância sempre foi considerada universalmente como a época mais feliz da vida.

Os adultos costumam idealizar suas infâncias porque retrospectivamente surgem como anos felizes, sem preocupações e sem problemas que devastam a idade adulta. Mas o passado e o futuro não passam de sonhos. Só o presente é real. O que vale é o momento. O fato vivido é que se conta.

A felicidade então, nada mais é do que uma idealização do passado ou do futuro? É apenas uma ilusão? Existem realmente pessoas felizes? Acho que ninguém pode responder essas perguntas.

Confúcio disse que não poderia ser feliz enquanto alguém sofresse. Coitado deve ter sofrido a vida toda.

Se a felicidade for vista sob esse critério, não passará de um ideal que nunca poderá ser realizado.

A pessoa em contato com a criança dentro de si é um verdadeiro ser comunitário. Não é por acaso que os povos primitivos, dotados de um alto senso comunitário, tragam características infantis. As crianças possuem capacidades natural muito maior para as aproximações e identificações que os adultos.

O senso de individualidade é uma função que objetiva promover singularidade e o isolamento da pessoa. Quando o ego encontra-se dissociado do corpo, o adulto está divorciado da criança que foi.

Neste estado, a individualidade se transforma em isolamento, a singularidade em alienação e a separação em solidão.

As crianças sempre estão mais em sintonia com a natureza do que os adultos. Seu espírito aproxima-se mais dos fenômenos naturais, pois ainda se sentem mais parte do mundo natural.

Quando o homem perde seu vínculo vital com a criança dentro dele, também perde a consideração e a reverência que a criança tem pela vida natural.

Todo amante da natureza traz uma criança no coração.

Todo artista criativo é em parte criança.

Toda pessoa alegre é uma criança entusiasmada, pois a alegria e a criatividade estão no coração da natureza.

Assim sendo, quando a criança que existe em nós, aflorar, devemos aproveitar o máximo que for possível. As coisas são divertidas quando a realidade está suspensa em nossa consciência.

Não existe vergonha nenhuma em ser criança vez ou outra, e é muito bom se envolver num clima de “faz-de-conta”.

Negar a realidade interna é sintonia de doença mental.

RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 22/02/2008
Reeditado em 23/02/2008
Código do texto: T871496
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