Sono

As gotas caiam da torneira diretamente na pia fazendo um barulho que ecoava pela casa vazia, de vida apenas uma televisão ligada, estava passando o filme da madrugada. “Não deixe os meninos usarem drogas!” dizia o filme para o vazio, e para o corpo adormecido de Dona Lurdes. Lurdes que agora tinha o Prefixo Dona antes do seu nome (talvez por causa da idade ou pelos garotos da rua) dormia não tão tranquilamente no sofá da sala de estar, ela esperava, e todo ser humano que se preze odeia esperar. Adormeceu assistindo algo que passava na televisão, algo não tão interessante, algo que só a destraira enquanto ela esperava. “Não deixe as crianças usarem drogas”.

O telefone toca sozinho naquele ambiente, seu som abafa os pingos da torneira seu som acorda Dona Lurdes. O telefone grita por atenção, é isto que ele quer atenção, como uma criança que pede por um brinquedo ou por um brincar, como um menino levado, ele grita através da noite.

Dona Lurdes atende e no seu âmbito de dizer algo original ela apenas diz:

- Alô?

- Alô, Dona Lurdes? – diz a voz do outro lado do telefone.

- Sim, e ela.

- Seu marido Dona Lurdes, seu marido sofreu um acidente!

Dona Lurdes acorda assustada, leva a mão até seu peito, seu coração recém pesadelo bate com velocidade, e sua respiração é rápida e forte, seu corpo é iluminado pela televisão. Dona Lurdes está deitada na cama, ainda pode-se ouvir a televisão do quarto, ainda pode-se ouvir o barulho da água pingando na pia, ainda pode se ouvir o barulho do telefone tocando, mesmo na sua memória. Lurdes não consegue dormir, Lurdes olha para seu ventilador de teto, anda muito quente estes dias mesmo chovendo pela manhã.

Dona Lurdes perambula pela sua casa, sua casa tinha alguns cômodos como cozinha, quartos, banheiro e sala entre outros, Dona Lurdes esquenta um leite e toma para tentar dormir. Lurdes ainda está olhando o ventilador girar sob seus olhos, as hélices fazendo uma volta completa sub sua cabeça, num espaço de tempo tão pequenino enquanto o planeta Terra demora doze meses para fazer o que um ventilador faz em três segundos. O mundo é injusto! Eram três da manha, é a hora do diabo sair para brincar, a hora do demônio, Dona Lurdes não acreditava em tal tipo de coisa, ela apenas acreditava que não estava conseguindo dormir.

- As mulheres têm que deixar de ser donas de casa!

- As mulheres têm o poder!

- Força feminina! – era apenas mais um comercial de roupas intimas femininas. Dona Lurdes olhava para a televisão com certo desprezo, sua programação a-traira por não passar algo interessante quando mais ela precisou. Se ela pudesse contabilizar toda sua vida certamente não sairia dos pequenos valores.

“Não deixe as crianças usarem...” O canal é mudado, o sono continua o mesmo: Distante. Dona Lurdes reflete num espelho, seus olhos cansados, suas mãos enrugadas, seu corpo agora até um pouco gordo, seus cabelos brancos teimando fugir da tinta aplicada recentemente, tudo era para tentar manter-se jovem, tudo para um nada convencional talvez, pois ela sempre carregara o apelido “Dona” antes de seu nome.

Dona Lurdes está em sua cama, cama do qual ela divide com seu maior erro ou seu maior acerto: Seu marido, ela esta lá, olhando para cima, par ao ventilador de teto, para o céu não estrelado e fumarento da cidade grande, lá está ela, tendo os seus olhos pesados, o seu sono caminhante e seus pensamentos perdidos pelo tempo e espaço... Lurdes finalmente dorme.

Eram quatro da manhã, o sol teimava a sair no meio das nuvens carregadas de lágrimas, e o cheiro puro e virgem ainda não poluído amanava de todos os mistérios da cidade grande. No meio disto tudo o filho irreconhecido chamado telefone toca, seu som estridente acorda Dona Lurdes que dá um pequeno soco na cama, no macio, no que não machuca nem a ela nem a ninguém.

- Alo? – diz Dona Lurdes ainda zonza do sono perdido.

- Alo, Dona Lurdes?

- Sim, é ela!

- Dona Lurdes, seu marido sofreu um acidente...