VOLTANDO PRA CASA

Os dois voltavam pra casa olhando a rua, pensando, às vezes conversando, resmungando um com o outro como faziam sempre. A vida para eles era quase sempre a mesma coisa todo dia. Acordavam, levantavam, trocavam de roupa, comiam, escovavam os dentes, iam para o lote que ficava a alguns quilômetros da cidade, onde plantavam alguma coisa e passavam o dia. À noitinha, voltavam pra casa, comiam algo (pouca coisa), viam TV, conversavam, jogavam um baralhinho, cansavam, iam dormir, acordavam, levantavam... Agora, por exemplo, estava na hora de voltar pra casa. O dia foi difícil, ela sempre fazendo seu crochê e ele sempre com a enxada, a terra muito seca, formigas não davam trégua, o sol não colaborava. Dali a pouco chegariam em casa, jogariam o baralhinho (hoje eu ganho dela, ele pensava). Era sempre a mesma coisa, tudo como havia sido ontem. E amanhã, o mesmo de hoje; no dia seguinte, idem.

Moravam num bairro muito bom. Aposentados, estavam, como diziam, na maré mansa, só deixando o tempo passar. Lá vinham eles, voltando pra casa. Hoje fazia sinal de chuva. Sinal? Começou foi a cair um toró como há muito não acontecia. Também, o sol de hoje foi mesmo de rachar, era um sinal da forte chuva que iria cair sim. Já viraram o carro na rua, a casa era a segunda. Como sempre, ele estacionou o carro na subida da garagem para ela abrir o portão (como faz falta um portão eletrônico num dia desses!). Ela abriu a porta do carro para se dirigir ao portão. Já ia colocar o pé direito no chão e... Deus do céu! O chão cedeu por baixo do pneu da frente e estavam em cima dum bruta buraco com uma enorme enxurrada dentro. Que fazer? Chamar a polícia? Bombeiros? Reboque? Companhia de energia, já que o poste estava a apenas um metro do abismo que se mostrava sob seus pés e rodas? Vizinhos? Que fazer, meu Deus? Conseguiram, sem problemas, sair os dois do carro (lógico que rolou uma oraçãozinha para ajudar!). Entraram em casa e chamaram o reboque. (Por que o reboque primeiro? Ora, você sabe o preço daquele carro? Foi um sacrifício pagar suas prestações, afinal, a aposentadoria, você sabe, não é lá essas coisas e a situação do país não tá ajudando e... Tá bem, tá bem, vou continuar com o caso). Olha, foram vários telefonemas a seguir, polícia, companhia de abastecimento de água (a causadora do enoooorrrme buraco, soube-se logo depois). O vizinho veio acudir, afinal ele também poderia sair prejudicado. O reboque tirou o carro e deixou do lado de for. É claro, a polícia não veio, falaram não ser da sua alçada Os homens da companhia de abastecimento estavam apreensivos, falavam rápido e queriam mostrar que tudo sairia bem. Lá do escritório ligavam a todo instante para ver se estava tudo indo bem, perguntavam se eles precisavam de alguma coisa mais, acreditavam que aquele senhor pudesse entrar com um processo na justiça pedindo uma polpuda indenização.

- Olha, pode falar, os rapazes estão trabalhando direito? As máquinas não estão fazendo muito barulho? Nós vamos pagar o reboque, não se preocupem! Fale, precisam de mais alguma coisa?

- Quê isso? Olha, não se preocupem, está tudo bem. O reboque já foi pago. – E se dirigindo-se para os rapazes que estavam lá fora, na chuva, coitados - Querem um cafezinho?. Afinal, está chovendo!

Há muito tempo que não tinham um dia como esse!