D. IVETE

INCONSOLÁVEL

Nestor Tambourindeguy Tangerini

Foi para D. Ivete um dia de verdadeira angústia aquele em que lhe chegou a notícia de que o marido, banhando-se na Praia de Copacabana, acabava de ser tragado pela cólera do oceano revolto.

Seu lar, até então ninho ditoso de sorrisos e sonhos, transformou-se, dentro de um segundo, com semelhante desastre, em uma casa de martírios, em sua fonte inexaurível de copiosas lágrimas.

Sofreu e chorou muito, chorou e sofreu como ninguém.

Contudo, para o seu caso sem remédio, restava-lha ainda uma esperança por algum consolo: ver o cadáver do malogrado esposo e atirar-se sobre ele, aperta-lo bem contra o peito e beijá-lo, ainda que isso pela última vez.

Mas, para quem nunca passou pelo frio do infortúnio, para a pessoa que viveu por longos anos feliz, uma desgraça nunca vem sozinha.

No dia seguinte, já o sol havia despontado no horizonte e soltava por sobre a praia a basta e longa juba de ouro, e o corpo da vítima da ira de Netuno não tinha aparecido ainda.

Ao saber disso e de que o certo seria não no encontrarem mesmo, a pobre viuvinha caiu em pranto de Ísis!...

- Não chore assim, d. Ivete!... Que se há de fazer?... Deus sabe o que faz!... É preciso resignação... disse-lha uma das mais íntimas amigas, consolando-a.

E a viuvinha inconsolável:

- Resignação! Resignação! É muito doce essa palavra resignação... mas se o corpo dele... não aparecer... eu não poderei... casar outra vez...

Texto escrito por Nestor Tambourindeguy Tangerini [1895-1966], na década de 1940, para ser publicado com o pseudônimo João da Ponte.

n.tangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br

Bergamota
Enviado por Bergamota em 25/02/2008
Código do texto: T874773